“É uma questão estrutural e resultado do processo evolutivo natural da sociedade. Quanto mais maduro e evoluído um país, uma região, uma cidade ou mesmo um bairro, maior a parcela de dispêndios ocorrerá com serviços e soluções.
Em escala global, essa visão fica comprovada pelo aumento da participação do setor de serviços no PIB dos países.
Nas economias mais desenvolvidas, os serviços contribuem com mais de 70% do Produto Interno Bruto (PIB), setor que inclui atividades como serviços financeiros, educação, saúde, cuidados pessoais, alimentação, tecnologia da informação, turismo, comércio, varejo e outros.
Nos Estados Unidos, o setor de serviços é responsável por aproximadamente 80% do PIB. Na União Europeia, a média é similar, representando entre 70% e 75%. Países como o Reino Unido, França e Alemanha têm participação do setor de serviços também na faixa de 70% a 80%.
Essa participação do setor de serviços reflete a evolução desses países, que passaram por uma transição de economias baseadas na agricultura e na manufatura para economias centradas em serviços ao longo do tempo.
No caso do Brasil, a participação do setor de serviços no PIB também tem aumentado ao longo das décadas. Em 1974, a participação dos serviços no PIB brasileiro era de 47%, bem menor do que é hoje, por conta de uma economia muito focada na agricultura básica e na indústria.
Em 2000, a participação dos serviços no PIB já havia crescido para 62% e, atualmente, representa perto de 70% do PIB do País, com potencial de maior participação nos próximos anos, por conta de transformações envolvendo urbanização, mudanças de hábitos e aspectos demográficos, com aumento da idade média da população. Em paralelo, o aumento da oferta de alternativas para consumidores que têm novas demandas.
No caso brasileiro, a perda de participação do setor industrial é fator alinhado com outras economias. Há 50 anos, representava 35% do PIB. Caiu para 27%, em 2000, e hoje representa 20%, num processo quase que inevitável, precipitado pela transformação estrutural da economia.”
Todo esse processo trouxe para o comércio e o varejo a necessidade, mais do que a oportunidade, de repensar modelos de negócios e de atuação.
Na área de alimentação, que é o maior percentual dos gastos familiares, a crescente participação da alimentação preparada fora do domicílio, o foodservice, é marcante. Em1974, representava perto de 7% do total dos dispêndios com alimentos. Em 2000, esse percentual cresceu para 24% e, atualmente, é de 34%, em recuperação do período pós-pandemia.
É possível estimar que esse percentual se aproxime dos 40% ou até 45%, em 2030, pela velocidade e intensidade de mudanças que temos observado.
Nos Estados Unidos, esse percentual é de 48%. E o foodservice já representa entre 15% e 20% do faturamento dos supermercados e supercenters, e estimulou a Nordstrom, a tradicional rede de lojas de departamentos upscale, a operar perto de 400 restaurantes ou cafés integrados em suas lojas.
Outros exemplos de supermercados com forte operação e diferenciação no foodservice podem ser vistos no Whole Foods e Wegmans, nos Estados Unidos, ou na Tesco, Sonae, Ahold e Marks & Spencer, na Europa. Assim como Aeon, Lotte, E-Mart, Fair Price ou Hema, na Ásia, que têm ampliado a oferta de alimentos prontos, além de áreas dedicadas ao consumo dentro de suas lojas.
Nesse tema, é destaque na Coreia a Hyundai, que também opera varejo de lojas de departamentos, e inaugurou, em 2021, em Seul, sua mais recente loja, com 300 operações de foodservice, incluindo seis restaurantes no conceito fine dining, dentro de sua loja.
A incorporação e a integração de serviços nas atividades de varejo no mundo e no Brasil são uma necessidade, à medida que cresce a pressão sobre a rentabilidade das operações puras de comércio e varejo baseadas com a venda de produtos, especialmente devido ao crescimento da participação do varejo de valor.
Nos Estados Unidos, México e Inglaterra, farmácias e drogarias oferecem serviços como vacinação, diagnósticos e exames básicos e oftalmológicos, prática que está sendo feita de forma crescente no Brasil.
Projetos, decoração e customizações são oferecidos nas lojas de material de construção; ajustes e personalizações, nas lojas de moda e artigos esportivos.
E instalações e manutenção nas lojas de eletroeletrônicos, como o catálogo com mais de 30 serviços pessoais e domiciliares oferecidos pela Lotte, na Coreia, nessas categorias de produtos.
É importante também considerar o profundo processo de transformação envolvendo a oferta de serviços e soluções nos centros comerciais planejados, shopping centers e stripmalls, reconfigurando totalmente a oferta nessas operações.
Cabe a pergunta para quem está no comércio e no varejo de quaisquer categorias, canais, formatos ou modelos de negócios: Quanto os serviços ou soluções representam de seu faturamento atual e quanto deverão representar até 2030? E o que já oferece e poderá oferecer?
A resposta, ou falta dela, deveria estimular reflexões mais estratégicas.
Nota: No Latam Retail Show, de 17 a 19 de setembro no Center Norte, em São Paulo, haverá especial ênfase, conteúdo e programação dedicados às discussões dos impactos das transformações no mercado, na geografia, na economia, no consumo e no varejo nos diferentes canais, categorias, formatos de lojas e modelos de negócios nos diversos mercados mundiais, com especial ênfase nas estratégias envolvendo preço dinâmico. O evento também terá transmissão virtual de parte do conteúdo para quem não possa participar presencialmente. Os ingressos limitados já estão disponíveis pelo site.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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