A Cielo se despedirá da Bolsa após 15 anos com uma nova perda de participação de mercado, ampliando o desafio que os bancos controladores da companhia, Bradesco e Banco do Brasil, enfrentarão após o fechamento de capital ser concluído. As instituições consideram que, fora da B3, a Cielo terá uma flexibilidade maior em mudar sua estratégia, o que deve não só reverter a perda de terreno como ajudar os dois bancos a avançar junto às pequenas e médias empresas (PMEs).
Na quarta-feira, 14, os dois bancos realizaram na B3 o leilão da oferta pública de aquisição (OPA) para a deslistagem da companhia. Com a compra de 736,9 milhões de ações, movimentaram R$ 4,3 bilhões, e obtiveram quórum acima do necessário para pedir à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a conversão do registro que permitirá o fechamento do capital da empresa.
A operação foi desenhada para que a Cielo possa reagir a um mercado em que o preço deixou de ser a maior arma competitiva, dando lugar à oferta integrada que coloca a conta bancária dos comerciantes dentro das maquininhas.
Este foi o caminho de Stone e PagBank, que desenharam suas ofertas bancárias após crescerem em maquininhas, e seguido pela Rede, do Itaú Unibanco, que deixou a Bolsa em 2012. No ano passado, a Rede tomou a liderança de mercado da Cielo, após concluir a integração à área de pequenas e médias empresas de seu controlador.
No segundo trimestre deste ano, a participação de mercado da Cielo caiu para 19,9%, contra 22,3% no mesmo período do ano passado. A rival Rede ficou com 22,8%, mantendo a liderança que conquistou exatamente um ano antes, mesmo tendo perdido parte de seu espaço para rivais como Getnet e Stone. O PagBank ainda não divulgou os números do segundo trimestre.
“Não é segredo que a Cielo tem sofrido para proteger sua fatia de mercado no segmento de pequenas e médias empresas, que é o mais rentável”, afirmou o analista Eduardo Rosman, do BTG Pactual, em relatório enviado a clientes na quarta-feira passada, 7. “Apesar de ter expandido sua força de trabalho, o desempenho da companhia tem sido abaixo do esperado.”
Maior, mas menos representativa
Quando desembarcou na Bolsa, em 2009, a Cielo dividia o mercado com a Rede, sendo que ambas tinham outros nomes: eram Visanet e Redecard, respectivamente. À época, imperava o processamento fechado, o que significava que a Visanet só processava cartões com a bandeira Visa, e a Redecard, os da Mastercard.
O duopólio foi quebrado pelo Banco Central, e a partir de 2010 as maquininhas passaram a aceitar múltiplas bandeiras. Ao longo da década seguinte, rivais como a então PagSeguro, hoje PagBank, entraram no negócio, empresas como a Getnet cresceram, e novatas como a Stone surgiram. Gradualmente, a fatia de mercado das antigas líderes caiu.
Para defender seu espaço, as duas deflagraram a chamada “guerra das maquininhas”, reduzindo os preços cobrados dos comerciantes. A Cielo foi uma das líderes do processo, mas também foi uma das primeiras a levantar a “bandeira branca” após a pandemia da covid-19, em 2021, quando a alta dos juros tornou a estratégia inviável.
A herança da guerra foi a queda das margens das companhias. Em 2009, a Cielo teve margem Ebitda de 67,6%, número que encolheu para 29,3% no segundo trimestre deste ano.
Ao longo de 2022, a empresa recuperou mercado, o que fez suas cotações na Bolsa subirem. No entanto, perdeu fôlego com a aceleração das ofertas integradas entre maquininha e banco das concorrentes. O marco dessa mudança foi a tomada da liderança de mercado pela Rede. Na visão de analistas, listada, a Cielo não conseguiria se integrar aos dois bancos adequadamente.
Solução
O “alinhamento de astros” aconteceu no começo deste ano, após a troca na presidência do Bradesco, que levou Marcelo Noronha ao comando do banco. Especialista no mercado de cartões e conhecedor da Cielo, Noronha chegou a um denominador comum com a gestão de Tarciana Medeiros, do BB, ela própria egressa do varejo bancário, para tirar a empresa da B3 e manter a sociedade.
O varejo, que atende às pequenas e médias empresas, é chave para o futuro da Cielo. A empresa reforçou no último ano a equipe comercial, que trabalha nas redes dos dois bancos de olho nesse estrato de clientes, que é mais rentável. Para os dois bancos, a maquininha da Cielo é uma ferramenta poderosa para garantir a gestão do caixa e o crédito das pequenas empresas, atividade também rentável.
“Nós esperamos entrar em dinâmica melhor para Cielo e para os dois bancos”, disse Noronha na semana passada. No Bradesco, a retomada do crédito para as PMEs tem acontecido gradualmente, e a Cielo é vista como uma ferramenta importante.
“Com o leilão da Cielo, nós teremos uma oferta de maior valor para as micro, pequenas e médias empresas”, afirmou o vice-presidente de Gestão Financeira e de Relações com Investidores do BB, Geovanne Tobias.
Oferta pública de aquisição
O leilão da oferta pública de aquisição da Cielo encerrou com a aquisição de 736.857.044 de ações ordinárias de emissão da companhia, que representam 27,1% do seu capital social, segundo a empresa. As ações foram adquiridas pelo preço unitário de R$ 5,82, totalizando R$ 4.288.507.996,08.
A liquidação do leilão ocorrerá na sexta-feira, 16. Considerando a aquisição realizada no leilão, as ofertantes passarão a deter, em conjunto, 93,4% do seu capital social da Cielo.
As ações da Cielo deixam de ser negociadas no Novo Mercado a partir desta quinta-feira, 15, sendo negociadas no segmento “Básico”, segundo a B3.
A Cielo afirma que os acionistas que não alienaram as suas ações durante o leilão e desejarem vendê-las às ofertantes poderão fazer isso por meio de negociações na B3, até a data da efetiva conversão de registro da companhia ou durante o período de três meses seguintes ao leilão – ou seja, até 14 de novembro de 2024.
Com informações de Estadão Conteúdo (Matheus Piovesana e Amélia Alves).
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