Um belo dia, uma nova família chegou de mudança em uma cidade pequena. Kate, a esposa, era bonita, elegante e se cuidava muito bem, com produtos de beleza de qualidade. Steve, o marido, tinha um carro incrível e era ótimo no golfe. Jenn e Mick, os filhos, logo se tornaram populares na escola. A casa deles era equipada com tudo o que havia de mais moderno.
A vizinhança não tardou a reparar no mundo perfeito da família Jones. E a invejá-los. O que eles não sabiam é que tudo isso era fake. Kate, Steve, Jenn e Mick eram simplesmente funcionários de uma empresa que comercializava produtos de luxo, a partir de modelos aspiracionais. O trabalho deles era demonstrar esses produtos, durante um tempo, naquela cidade.
A estratégia funcionou. As pessoas do lugar passaram a desejar uma vida como a dos Jones. Por isso, começaram a comprar os produtos que associavam ao estilo daquela gente.
Essa é a história por trás do filme “Amor por Contrato”, de 2009. Kate foi vivida pela atriz Demi Moore e Steve, por David Duchovny. O filme pode não ser uma obra-prima da sétima arte, mas proporciona muitos pontos de reflexão para os marqueteiros de plantão.
Lembrei desse filme enquanto lia o provocativo livro “Wanting: the power of mimetic desire in everyday life” (O querer: o poder do desejo mimético na vida cotidiana, em livre tradução). Nele, o autor Luke Burgis mergulha no trabalho desenvolvido pelo historiador, crítico e filósofo francês René Girard, para dissecar a formação do desejo.
Em outras palavras, o livro procura explicar por que queremos certas coisas e não outras. A tese, controversa e, ao mesmo tempo, fascinante, pode ser resumida neste conceito: o desejo seria mimético. Nós, humanos, aprendemos por imitação a desejar o que outras pessoas possuem. Mas não quaisquer pessoas. Queremos o mesmo que indivíduos que admiramos. Dessa maneira, estaríamos incorporando, indiretamente, seus valores e qualidades.
A publicidade utiliza largamente esse recurso. O relógio caro é apresentado como porta de entrada para o universo da sofisticação. Para ter a mesma aura de sedução das artistas famosas, basta comprar roupas de suas grifes ou usar perfumes que elas anunciam. O “eu atual”, depois de incorporar os valores da marca de grife, se transforma no “eu ideal”. Pelo menos, no imaginário do consumidor.
O desejo por produtos e serviços, na teoria de Girard, emerge, portanto, a partir de modelos. Pessoas, estilos de vida ou símbolos de status são modelos que moldariam o querer.
Funcionaria mais ou menos assim: vemos na loja uma camiseta aparentemente normal, que nem atrai muito nossa atenção. Porém, mais à frente, um cartaz mostra aquela mesma peça no corpo de um modelo ou artista famoso, a quem admiramos (ou secretamente invejamos). É o suficiente para aquela roupa ganhar um outro significado. Na tentativa de imitar essa pessoa e seu estilo, transformamos coisas simples em objetos de desejo.
O desejo de imitar outra pessoa admirável pode tomar rumos obscuros, claro. Para entender esse processo, basta assistir à magnífica série “Ripley”, na Netflix, baseada no livro “O talentoso Ripley”, de Patricia Highsmith. A história mostra como a admiração doentia de Tom Ripley pelo estilo de vida de uma pessoa que cruza o seu caminho tem trágicas consequências.
A imitação de Ripley tomou outros rumos porque ele era um psicopata. Mas a vida está repleta de gente que nos admira ou inveja a ponto de mimetizar aspectos do nosso comportamento. Talvez você conheça alguém assim, um amigo ou amiga da época do colégio. Ou algum colega de trabalho.
Não há dúvida que o processo mimético do desejo ganhou muito impulso com o crescimento das redes sociais, em que as pessoas constroem histórias sobre vidas bem-sucedidas. O que não falta ali são modelos, de todos os tipos, para acionar gatilhos de consumo.
Você deve estar se perguntando: o que tudo isso tem a ver com shopping centers, no final das contas? Vamos lá.
As compras motivadas pela necessidade, reposição ou abastecimento, que são orientadas pela busca do menor preço ou da maior conveniência, serão progressivamente direcionadas para locais como o varejo de proximidade, representado por strip malls, lojas de bairro, redes de conveniência e o e-commerce.
A vocação dos shopping centers é evoluir como um império do desejo, onde o consumo não é o objetivo, funcional ou utilitário, mas sim aspiracional, como uma forma de expressão de identidade e estilo. Por isso, eles deveriam investir mais tempo e recursos na construção de suas identidades. Comunicar suas personas, criando modelos que as pessoas gostariam de imitar. O Iguatemi é um bom exemplo.
Anota aí: compreender, estudar e testar formas de explorar a psicologia do desejo. Esse é um tema bacana para a agenda do planejamento de marketing dos shoppings para 2025.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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