Gastronomia, serviços e entretenimento. Esse tripé respondia, no final do ano passado, por cerca de 38% do mix dos shoppings da Allos, maior empresa do setor em nosso País.
De fato, restaurantes têm sido procurados com insistência por centros comerciais dos quatro cantos do País, cientes de que essas operações se tornaram ancoragens relevantes.
Serviços de diversas naturezas estão migrando para shopping centers, em especial os orientados para saúde e bem-estar. Essas empresas enxergam nos shoppings uma oportunidade de proporcionar mais conforto, conveniência e segurança para seus clientes. Com isso, produzem fluxo adicional, muito bem-vindo para empreendimentos que ainda estão em busca da frequência que possuíam antes da pandemia.
Diversão também está em alta. Parques internos e externos, pistas de patinação e eventos de peso, daqueles capazes de fazer as famílias saírem com os pimpolhos para passar o dia fora de casa, são prioridade na agenda dos shoppings. A ideia é gerar visitas e compensar, em parte, os problemas dos cinemas, que mostram dificuldade em recuperar o público que tinham antes da pandemia – e da disseminação dos serviços de streaming.
Vestuário reduz participação no mix dos shoppings
Resta uma dúvida: e o vestuário, como fica?
Interessante relatório produzido pelo Credit Suisse mostrou que na Multiplan, responsável pelo BarraShopping, no Rio; e MorumbiShopping, em São Paulo; entre outros, o vestuário respondia por 53,2% do mix no segundo trimestre de 2015. De acordo com o balanço da Multiplan, o índice havia caído para 32% no segundo trimestre de 2024.
Antes que os alarmistas entrem em cena, vale alertar: ajustes como esse estão acontecendo em toda parte. Afinal, outros gastos entraram no orçamento dos brasileiros. O que não significa que a moda vai virar coadjuvante nos shopping centers. O setor continua sendo protagonista, dividindo, em alguns casos, a responsabilidade de atrair público com outros segmentos.
Prova disso é o frisson que causou a confirmação, na semana passada, da inauguração das primeiras lojas da H&M no País, agendada para setembro ou outubro de 2025. Durante o Latam Retail Show, a marca sueca prometeu abrir lojas na maioria das capitais brasileiras em até 3 anos. Deve competir diretamente com Renner, C&A e Riachuelo, praticando preços que cabem no bolso da classe média brasileira.
Raio X do mercado de vestuário no Brasil
Na mesma Arena Fashion, onde a marca sueca marcou presença, outra palestra trouxe números importantíssimos para quem trabalha com varejo e centros comerciais. A convite da Gouvêa Fashion Business, dirigida por Cecília Rapassi, o diretor da IEMI, Marcelo Prado, compartilhou dados do mercado de vestuário nacional.
Vamos a eles?
Para começo de conversa, vale destacar que os gastos com vestuário estão em terceiro lugar dentre os bens de consumo mais adquiridos pelos brasileiros em 2022, segundo o IBGE. Ficaram atrás apenas de alimentação no domicílio (supermercado) e compra de veículos.
No ano passado, o varejo de vestuário brasileiro vendeu algo em torno de 6 bilhões de peças. Para efeito de comparação, esse desempenho é inferior ao de 2019, quando foram vendidas 6,5 bilhões de peças.
O faturamento nominal chegou a R$ 278,8 bilhões, maior do que em 2019. Porém, se descontarmos a inflação, o desempenho das vendas fica 6% menor. Para 2024, a projeção do IEMI é de 7,5% de aumento na receita nominal, ante 2023.
Quando o assunto são os canais de venda, os dados são bem sugestivos. Por exemplo, você sabia que a maior parte das receitas produzidas pelas 155 mil lojas de vestuário espalhadas pelo País vem de varejistas independentes? Pois é, eles respondem por 30% das vendas. Agora olha isso: 76% das lojas de roupa brasileiras possuem até 4 funcionários. Prova da importância dos pequenos.
Por outro lado, os grandes, representados pelas redes com lojas pequenas e lojas de departamento especializadas, produziram, juntos, 50% das vendas ano passado. O e-commerce contribuiu, em 2023, com 9% das receitas. Os 11% restantes vêm de roupas vendidas em hipermercados e lojas de departamento não especializadas.
A pesquisa da IEMI pediu ainda para os entrevistados mencionarem espontaneamente quais lojas de moda lembravam em primeiro lugar. O pódio do top of mind não trouxe surpresas: Renner, C&A e Riachuelo, nesta ordem, ficaram com as três primeiras colocações. Em quarto lugar, surgiram, empatadas, Zara e Shein, o que mostra que a força da plataforma chinesa não deve ser subestimada.
O consumo de moda por aqui ainda é bastante concentrado. De acordo com os dados da IEMI, as classes A e B, que somam 25% da população brasileira, representam 53% do consumo de vestuário, com destaque para a classe B, que sozinha contribui com 40%. Fazendo jus ao clichê, 2/3 dos compradores de moda são mulheres e 1/3 homens.
Para terminar, veja só o que faz o brasileiro escolher uma loja em detrimento de outra: em primeiríssimo lugar vem o bom atendimento (37%), seguido pela variedade (31%) e qualidade/design (27%) dos produtos. Só depois aparecem os preços baixos (23%) e descontos (21%).
Conclusão: moda não vai sair de moda
Todos esses dados reunidos formam um retrato abrangente do mercado de moda do País. Em resumo, os brasileiros gastam bastante com roupas, sendo que metade desse valor fica com lojas de rede e lojas de departamento especializadas, o que faz sentido, já que as classes A e B, sozinhas, produzem 53% das vendas.
Os pequenos e independentes ainda são relevantes, mas enfrentam um nível de competição sem precedentes, correndo sério risco de encolherem mais. A concorrência vem de toda parte, inclusive e principalmente do digital. O bom atendimento e o relacionamento com os clientes podem ser uma maneira de diferenciação, mas a verdade é que o futuro é duvidoso para o enorme contingente de pequenos empresários.
Para os shopping centers, fica uma certeza: a moda não vai sair de moda e deve ter presença destacada no mix. No entanto, os players serão cada vez mais restritos, com ênfase nas redes e grandes lojas especializadas, como a H&M.
Quem viver, verá.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da MERCADO&CONSUMO.
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