No plano global precisa ser considerado o avanço da Inteligência Artificial generativa nas atividades profissionais, a evolução da sociedade para mais gastos centrados em serviços e soluções e o aumento dos investimentos em tecnologia e digital nas mais diversas atividades produtivas. Mas também é importante considerar a globalização do emprego e o envelhecimento da população na maioria dos países, além do crescimento da participação dos relacionamentos e vendas digitais nas mais diversas categorias de produtos e serviços. Esses são alguns dos fatores determinantes das transformações estruturais globais.
No Brasil alguns fatores conspiram para tornar tudo ainda mais complexo, como o aumento do número de famílias hoje dependentes dos programas oficiais de auxílio. Além do “ecossistema do mal” envolvendo questões trabalhistas e a expansão dos MEIs e a “pejotização”, criados como caminhos para convívio com essa realidade. Nesse contexto até mesmo os sindicatos de empregados estão condenados à irrelevância.
O aumento da rotatividade, o menor envolvimento emocional com o emprego, a dificuldade na contratação e retenção de talentos, o aumento dos custos num cenário de pressão de competitividade e menores vínculos entre empresa e empregados são apenas alguns dos sintomas já percebidos e que tendem a evoluir em direção a maiores dificuldades à frente.
O que acontece com o emprego é um processo em escala global e com conotações locais próprias que potencializam essa transformação e que determinam a necessidade de repensar dos impactos diretos no curto, médio e longo prazo. Nos negócios e nas questões que envolvem a própria nação.
São as questões locais que devem merecer nossa maior atenção, pois sobre elas podemos refletir e tentar agir para evitar potencializar ainda mais o problema para além dos elementos globais mencionados.
1- A dependência e os danos estruturais criados pelos programas de auxílio com o desestímulo ao trabalho formal e o desenvolvimento pessoal e profissional.
Perto de 21 milhões de famílias estão dependentes de programas de auxílio que têm toda uma lógica positiva de assistência aos mais necessitados e carentes.
Ocorre que o número de dependentes e os valores envolvidos são crescentes e têm levado a uma deformação criando uma atitude de desinteresse pelo trabalho formal, ao desenvolvimento pessoal e profissional, ao crescimento individual e à melhoria da qualidade de vida que se transmite de pais para filhos.
Trabalhar para que, se dá para viver com o auxílio e ainda fazer uns bicos de vez em quando?
Além do impacto danoso na cultura e na atitude em relação a trabalho e emprego, determina uma deformação estrutural, pois caberá ao Estado obter recursos dos setores produtivos formais para pagar essa conta.
Sem mencionar o impacto próximo futuro na previdência, pois essas pessoas serão aposentadas por idade num país que envelhece mais rápido. E existirão menos contribuintes ativos para gerar recursos para sustentar os aposentados.
É difícil chamar atenção para algo tão nobre e socialmente positivo quanto os programas de auxílio aos mais necessitados. Mas da forma como estão desenhados ou enfrentamos essa questão agora ou o custo econômico, social e político se tornará algo explosivo à frente.
É quase que o estímulo ao desenvolvimento de uma sociedade de párias com impacto negativo no crescimento, amadurecimento e evolução do país. Sem esquecer que se torna um estímulo à informalidade em muitos e variados aspectos para que se possa conviver com essa desafiadora realidade.
2 – Expansão dos MEIs e a “pejotização” como elementos de ajuste
O mercado encontra caminhos e alternativas para conviver, ou sobreviver, quando o poder público falha em criar alternativas consistentes.
A reforma trabalhista de 2017 trouxe inegáveis avanços na CLT, mas pela dinâmica natural e estrutural de mercado quando foi implantada, o cenário já tinha mudado e mudou muito mais nos últimos sete anos. E aí coube ao mercado encontrar caminhos próprios.
Um deles é o crescimento da categoria dos microempreendedores individuais (MEIs), que já se aproxima dos 15 milhões, quando dez anos atrás, em 2014, eram apenas 4 milhões.
Da mesma forma o processo de “pejotização”, ou seja, a contratação de prestadores de serviços como pessoas jurídicas individuais substituindo funcionários que em outras circunstâncias seriam registrados com os benefícios e os custos agregados.
Existem no Brasil atual perto de 21,7 milhões de empresas ativas incluindo
matrizes, filiais e microempreendedores individuais (MEI), sendo 93,6% dessas microempresas ou de pequeno porte.
No primeiro quadrimestre deste ano foram abertas 1,45 milhões de empresas, o que
representa aumento de 26,5% em relação ao terceiro quadrimestre de 2023 e aumento de 9,2% em relação ao mesmo período em 2023.E aqui se confundem o aumento no número de empresas, “pejotização” e a evolução do número de MEIs.
A questão básica é que como funcionários registrados formais para a empresa em média o custo é perto de 80% maior incluindo contribuições, encargos e impostos e o empregado recebe menos em valores efetivos. E quanto menor o nível salarial, maior o custo para a empresa. No processo de “pejotização” um valor maior é pago ao prestador de serviço que decide sobre sua aposentadoria, assistência médica e outros aspectos.
Tudo isso tem uma componente importante no comportamento do consumo e do varejo e determina mudanças que vão muito além da projeção dos dados do passado para conhecer o comportamento futuro.
3 – O ecossistema trabalhista conspirando contra o emprego e o trabalho formal
O ecossistema trabalhista que envolvendo advogados, peritos, tribunais do trabalho, legislação recém revista (mas já ultrapassada) e uma cultura criada de assistencialismo, determinam um quadro em que o emprego formal tradicional está e continuará em queda. Conspirando, inclusive, para o “apequenamento” dos sindicatos profissionais de empregados que rejeitam a adesão e a contribuição para sua manutenção.
É divulgado que corporações globais, entre elas Walmart, McDonald’s e Carrefour, que atuam ou atuaram no Brasil, teriam entre 50% e mais de 90% de suas causas trabalhistas no Brasil.
Esse fato teria, inclusive, contribuído para que algumas corporações optassem por investir menos, buscar alternativas de diferentes modelos de negócio ou mesmo deixassem o Brasil. E para a redução da presença física no varejo e investimento no varejo digital.
O indicador formal de 6,6% de desemprego, dos mais baixos nos últimos anos, é apurado a partir da informação de que a pessoa não está procurando emprego, pois está empregada, ou é PJ, ou MEI, ou recebe auxílio e não pode ter vínculo profissional. E conspira para distorcer a realidade.
Para além das questões formais, criou-se toda uma indústria ou ecossistema que aumenta custos, desestimula investimentos em operações físicas próprias e obriga despesas crescentes na área que envolve contencioso trabalhista. Tudo conspirando contra a modernidade e a evolução virtuosa dos negócios.
Essa convergência de cenários no mundo e os aspectos específicos da realidade brasileira criam um “país de faz de conta”. Um país que desconhece e não enfrenta suas distorções, obrigando uma situação em que muita energia, atenção, investimentos, tecnologia e estratégia devam ser repensados e direcionados para rever caminhos, oportunidades e ameaças nos quadros atuais e futuros de cada negócio, mercado ou atividade. E principalmente na dimensão da Nação.
Nesse plano mais amplo caberia ao setor empresarial liderar a discussão e a proposição de ação.
No campo dos negócios, como em muitos outros, buscar ser um “first mover” para encontrar opção pode ser fator crítico e decisivo de evolução.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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