A COP29, que ocorreu em novembro em Baku, Azerbaijão, apelidada como “COP das Finanças”, focou em aumentar os recursos financeiros para combater as mudanças climáticas. Até 2035, estima-se que serão necessários 1,3 bilhões de dólares, segundo a Euronews. E, daí vem a pergunta: o que o luxo tem a ver com essa 29ª edição da COP?
Essencialmente, quando colocamos na balança que o 1% mais rico gera tantas emissões de carbono quanto os 66% mais pobres juntos, conseguimos enxergar o impacto e a disparidade que a vida luxuosa revela.
Essa constatação levou à proposta de taxas para as indústrias mais poluentes e lucrativas, como a aviação, que poderiam gerar centenas de bilhões de dólares por ano e financiar diversas ações climáticas.
Luxo sustentável
O luxo, tradicionalmente associado ao excesso e à ostentação, agora, mais do que nunca, possui a responsabilidade ambiental e social, revisitando a necessidade de práticas mais conscientes. Nesse contexto, diversas marcas de luxo, tanto internacionais quanto brasileiras, têm se empenhado em reduzir suas emissões de carbono e adotar práticas sustentáveis, integrativas e regenerativas.
O conceito de luxo sustentável tem ganhado destaque no mundo da moda e do design, refletindo uma mudança de paradigma na forma como consumimos e valorizamos produtos de alto padrão. As gerações Y e Z encabeçam esse tipo de movimento
Além disso, os conceitos de slow fashion, quiet luxury e economia circular têm sido enaltecidos entre as marcas de luxo, promovendo um consumo mais consciente e a valorização de produtos duráveis e atemporais.
A italiana Prada tem explorado essa ideia ao relançar coleções icônicas e ao investir em materiais reciclados. A coleção Re-Nylon, que utiliza náilon regenerado, é um exemplo claro de como a marca tem se adaptado às demandas contemporâneas por sustentabilidade, sem perder sua essência de luxo.
As brasileiras Osklen e Farm usam materiais recicláveis, incentivam a economia circular, evitam o desperdício de materiais e trabalham para reduzir a emissão de carbono. Em suas campanhas, a Osklen frequentemente aborda questões relacionadas à preservação da Amazônia e à valorização de culturas locais, conectando o luxo à sustentabilidade de maneira coerente.
Outro exemplo de como essa mentalidade se manifesta pode ser encontrado nos headquarters da Aya Earth, o coração verde corporativo da Cidade Matarazzo, onde o ar que se respira e as pessoas já convivem, há tempos, com essa esfera ambiental.
Em intervalos de dias, aconteceram discussões sobre emissões de carbono, apresentações de recursos da alta joalheria, como pérolas sustentáveis (Julio Okubo), e mobiliário com design regenerativo, uma novidade de um showroom diferenciado entre a Real Wood e Cidade Matarazzo, além do discurso do fundador do Cidade Matarazzo, Alex Allard, e Patricia Ellen, cofundadora da Aya Earth, sobre essa nova era da regeneração ambiental, na qual a natureza é totalmente integrada às atividades humanas. Segundo Allard, a palavra “sustentabilidade” impõe uma série de regras a serem seguidas. Por isso, ele prefere o termo “regeneração”, que trabalha em um sentido mais amplo as veias da sustentabilidade.
Mais um projeto e marca que surpreendem é a Together Band, de Cameron Saul. Desde 2002, quando ainda era incomum alguém falar em sustentabilidade e causas humanitárias, Saul e seu pai, Roger Saul, fundador da Mulberry, já criavam projetos que envolviam arte, música e moda com o Quênia e a África do Sul.
Em 2019, em parceria com a ONU, Saul criou pulseiras feitas com metal proveniente de armas usadas em conflitos na América Central e um fio produzido a partir de plástico do Oceano Parley, coletado nas costas das Maldivas.
A confecção das pulseiras é realizada por mulheres resgatadas das ruas e do tráfico de pessoas por ONGs no Nepal e pelo Projeto Arrastão, que apoia comunidades da periferia de São Paulo.
Essas pulseiras têm como objetivo apoiar a concretização dos ODSs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) até 2030. O convite da marca é que a pessoa escolha, entre as 17 cores disponíveis e a pulseira com o objetivo que deseja apoiar. As pulseiras contam com embaixadores como Alessandra Ambrosio (em uma edição especial em apoio à tragédia no Sul do País), David Beckham, Lewis Hamilton, Naomi Campbell, entre muitos outros.
A interseção entre luxo e sustentabilidade não só é possível, mas também desejável. À medida que mais consumidores se tornam conscientes do impacto ambiental de suas escolhas, marcas de luxo que adotam práticas sustentáveis têm a oportunidade de se destacar e construir uma base de clientes leais. A transição para um modelo de negócios que priorize a responsabilidade social e ambiental não é apenas uma tendência passageira, mas uma necessidade urgente em um mundo que enfrenta desafios climáticos sérios.
Impostos
No que tange à sustentabilidade, o papel do imposto é essencial, não só no que foi levantado na COP29 sobre a taxação dos mais ricos, mas também para as indústrias mais poluentes e lucrativas, como aviação, transporte marítimo e extração de combustíveis fósseis.
Por exemplo, o governo pode taxar determinados comportamentos corporativos como forma de encorajar ou desencorajar as empresas na adoção de práticas sustentáveis. Em relação à pegada de carbono, as empresas que são capazes de diminuí-las podem ser recompensadas com reduções nos impostos. Por outro lado, empresas que poluem rios, utilizam recursos naturais de forma inadequada ou que não adotam medidas sustentáveis podem ser penalizadas com multas ou aumento de impostos.
Assim como no aspecto social, o imposto arrecadado pode ser utilizado para financiar projetos voltados para a sustentabilidade, como ajudas as comunidades e países mais pobres.
Rastreabilidade
A consultoria Bain & Co sugere que as marcas de luxo rastreiem todos os estágios da cadeia, desde a produção da matéria-prima aos efeitos indiretos de suas atividades para que haja transparência e rastreabilidade da cadeia de suprimentos.
Os clientes poderiam ter acesso a informações completas sobre a cadeia produtiva de um determinado produto, tanto durante a compra online quanto física, com dados relevantes sendo mostrados por meio da tecnologia.
Investimentos em tecnologia, como blockchain, a IoT, automação de processos robóticos e Data Science, são essenciais. Maximizar incentivos que alinhem a empresa com iniciativas nacionais de redução de emissões de carbono, agricultura regenerativa, reflorestamento e projetos que envolvam as comunidades mais carentes, como as indígenas, são estratégias que criarão um grande diferencial e impacto da marca.
E, para as empresas que desejam fazer parte dessa jornada é necessária a adoção de métricas e reformas de relatórios que ajudem a demonstrar como a sustentabilidade está gerando valor para os negócios.
Em resumo, o luxo sustentável representa uma nova era necessária na moda e no design, na qual a beleza e a responsabilidade caminham lado a lado.
Sandra Hayashida é fundadora da LPE Experiências.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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