O tema da Inteligência Artificial (IA) atravessou de ponta a ponta a NRF 2025, maior evento do varejo global, que terminou nessa terça-feira, 14, em Nova York. Foi difícil encontrar uma sessão que não tivesse abordado a IA como instrumento para aumentar a eficiência operacional ou elevar a experiência do cliente.
Curiosamente, outro tema que frequentou bastante os palcos do Javits Center foi o da loja física. Mas não estamos falando das lojas tradicionais, que se restringem a expor e vender produtos, conhecidas pela sigla PDV (Ponto de Venda).
A nova loja pode ser definida como Omni PDX, elevada à potência da IA. Calma lá, que eu já explico. O X do PDX significa que ele é um espaço de múltiplas experiências. É Omni porque integra o online com o offline, e é potencializado pela IA. O varejo que não explora todas as oportunidades geradas pelo PDX está perdendo a chance de extrair mais da loja física e maximizar os investimentos.
Tem mais: essas lojas contemporâneas devem ser flexíveis para acompanhar as mudanças constantes no comportamento dos consumidores, e devem atender a demandas que não podem ser supridas apenas por produtos e serviços.
Quer exemplos de funções das novas lojas físicas? Vamos lá.
A loja como local de soluções
Serviços de diferentes tipos ajudam a gerar fluxo, aumentar a recorrência de visita e elevar receitas. Na loja da Foot Locker, em Nova York, uma máquina escaneia os pés do cliente para definir com precisão qual é o calçado mais adequado para ele, do tamanho até o tipo de pisada.
A loja da Casper não foi feita para vender colchões simplesmente, mas para ajudar as pessoas a dormirem melhor. Das cabines de experimentação ao atendimento especializado dos vendedores, tudo é feito para melhorar a vida de quem quer dormir bem.
Outra vertente desse movimento é a dos serviços. No Whole Foods, a comida preparada tem lugar de destaque, e boa parte dos clientes se alimenta ali mesmo, em uma área com mesas e cadeiras.
Mas nada se compara ao que acontece na FAO Schwarz, loja de brinquedos onde metade do faturamento da unidade no Rockefeller Center vem de serviços. Ali, as crianças podem ser maquiadas e levar o kit de beleza para casa por US$ 65. A estratégia é oferecer serviço para vender – e caro – produto.
A loja como canal de divulgação da marca
A loja ajuda a disseminar o conceito da marca junto aos consumidores e parceiros, apoiando o desenvolvimento dos negócios em todos os canais.
A flagship da Granado no SoHo, em Nova York, além de vender produtos, ajuda a marca a entrar em outras redes. Afinal, é mais fácil apresentar o conceito e convencer os compradores de grandes varejistas quando eles conhecem a loja. Ou seja, o espaço funciona também como um showroom.
Mais um exemplo: a Louis Vuitton está construindo uma flagship na Rua 57, perto da 5ª Avenida, em NY. Para divulgar a marca, criou um tapume no formato do famoso baú, que é símbolo da marca. Impressiona o número de pessoas que param ali para tirar foto dessa instalação. O endereço vai ficando conhecido bem antes de a loja abrir.
Além de divulgar a própria marca, varejistas também estão investindo em retail media, proporcionando exposição de outras marcas junto aos clientes que frequentam a loja.
A loja como hub logístico
A loja como um centro de distribuição avançado, onde as pessoas podem retirar ou devolver produtos comprados online. Isso consolida a convergência entre o físico e o digital.
Para o varejo, usar a loja para entregar produtos comprados online ou receber devoluções pode ser bem lucrativo. No Brasil, quando um item vendido pelo e-commerce é entregue no endereço do comprador a partir do centro de distribuição, o custo é de R$ 100. Se o produto sai do estoque da loja, a operação pode ter o valor reduzido para R$ 40. Mas, caso o cliente aceite buscá-lo na loja, essa despesa pode cair para R$ 15. Economia significativa, não?
Além disso, devemos considerar que a jornada do cliente, cada vez mais, começa no digital. Buscar consumidores no digital para trazê-los para a loja, em um processo de venda ativa, é essencial para os resultados, e tem muita gente boa fazendo isso no Brasil. No grupo Arezzo, cerca de 60% das vendas nas lojas têm origem no digital.
A loja como refúgio
Espaço onde as pessoas podem se desconectar dos problemas cotidianos e viver momentos de alegria e despreocupação.
A Starbucks cresceu apostando na ideia de ser um terceiro lugar, onde as pessoas poderiam se encontrar e se afastar por um tempo da realidade. Hoje, a empresa está disposta a trazer esse conceito de volta, porque isso está se mostrando ainda mais relevante, diante das crises permanentes que nos cercam.
Os shoppings mudaram seu posicionamento para se estabelecer como refúgios da vida moderna, compreendendo a força de oferecer lugares de prazer e descompressão.
Esse escapismo também pode acontecer por meio da nostalgia. Afinal, quando o futuro é incerto, se abrigar no passado pode ser alentador. A Rough Trade, loja especializada na venda de discos de vinil, CDs de música e até cassetes, abriu uma filial no coração de Manhattan para explorar esse sentimento.
Outra vertente desse movimento é o fortalecimento dos kidults, expressão criada para definir adultos que cultivam a criança que vive dentro deles. Na Lego, há uma seção de kits de montar voltados para crianças grandes, onde se destaca o cartaz “Adultos são bem-vindos”.
Na American Girl, marca de bonecas da Mattel, mulheres crescidas costumam contratar festas com as amigas para celebrar e relembrar os tempos de menina. Nostalgia na veia.
A loja como local de diversão e inclusão
É poderosa a ideia de construir lugares onde os clientes se sentem pertencentes a uma comunidade. Isso ocorre quando, dos demais consumidores à equipe de loja, todos compartilham os mesmos gostos e valores. É um bom antídoto contra a solidão e, de quebra, pode proporcionar bons momentos.
A REI, marca de produtos para a vida ao ar livre, contrata profissionais que usam a marca e gostam da vida outdoor. Os eventos que a REI promove são oportunidades de conexão entre clientes e funcionários, unidos em torno de um mesmo estilo de vida.
Os pet parks em shopping centers no Brasil reúnem pessoas que se integram em torno do amor e cuidado por seus animais de estimação. Valores comuns criam o senso de pertencimento entre esses tutores de pets.
Para que o Omni PDX funcione bem, é essencial que as equipes de loja estejam engajadas e bem treinadas. E é aí que a coisa complica. A qualidade do atendimento nos Estados Unidos vem caindo drasticamente nos últimos anos. Segundo pesquisa da WD Partners, apresentada durante a NRF, um dos motivos pelos quais consumidores preferem comprar online é o mau atendimento que recebem em muitas lojas físicas.
Não dá para dizer que isso é muito diferente no Brasil, em especial quando lembramos que a maior parte das receitas desses funcionários vem de comissão sobre vendas, o que faz deles vendedores e não equipes necessariamente comprometidas com a satisfação dos clientes.
A IA pode ser uma aliada na dura tarefa de elevar o nível do atendimento. Na C&A, por exemplo, a IA ajuda os vendedores a darem valiosas dicas de moda para os clientes. Na Starbucks, agiliza o atendimento e apoia a recomendação de novas bebidas.
A tecnologia pode potencializar o desempenho das equipes de loja e melhorar significativamente a experiência do cliente. Por isso, o Omni PDX ganha força quando elevado à potência IA.
Isso tudo, claro, fica ainda melhor se, à ajuda luxuosa da IA, somarmos um bocado de emoção, empatia e gentileza. Porque tecnologia é meio, não fim. E, no novo varejo, vai ganhar o jogo quem tiver a melhor conexão com seus clientes.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagens: Luiz Alberto Marinho