Como os ecossistemas de negócios transformam a China?
Muito tem sido falado, escrito e discutido sobre as transformações precipitadas na China, já a maior economia do mundo no critério PPP (Paridade do Poder de Compra), pelo exponencial crescimento da economia digital.
Muito menos tem sido discutido sobre como os ecossistemas de negócios têm sido os propulsores dessa transformação.
E menos ainda sobre como esses ecossistemas podem ser utilizados no desenvolvimento de todos os outros negócios globalmente pela sua proposta inovadora de criação de redes de empresas e parceiros para dar mais foco, agilidade, empoderamento e, principalmente, resultados, medidos por valorização financeira (market value) e seu exponencial crescimento nos últimos anos.
A sigla BATXL, que envolve a combinação das atividades dos ecossistemas Baidu, Alibaba, Tencent, Xiaomi e LeEco, é a síntese de uma profunda, inovadora e realmente disruptiva proposta de organização empresarial alinhada com a volatilidade inerente ao mercado transformado pela omnidigitalização.
Para contextualizar
Existem diferenças marcantes quando comparamos os diferentes modelos de organização empresarial existentes – Ecossistemas de Negócios, Empresas, Holdings e Redes de Negócios – no que se refere à sua estrutura de controle, os setores de atuação e os processos de decisão.
Nos Ecossistemas de Negócios, modelo de organização empresarial utilizado pelos mais importantes e transformadores conglomerados de negócios da China, a estrutura de controle é por divisão dos ativos entre os acionistas, os setores de atuação são relacionados, mas também diversificados e os processos de decisão são orquestrados, porém interdependentes.
Quando comparado com os modelos tradicionais de organização mais utilizados especialmente na Economia Ocidental, esse modelo dos Ecossistemas de Negócios explica em boa parte a velocidade com que consegue capturar as oportunidades emergentes a partir das mudanças exponenciais que ocorrem no mercado e transformam oportunidades em realidade por uma combinação virtuosa de fatores.
E permitem que empresas como Alibaba, nascida em 1999 focada no e-commerce e transformada num impressionante Ecossistema de Negócios possa ter um valor atual de mercado de US$ 410 bilhões, superior ao do Walmart, maior varejista do mundo, US$ 278 bilhões no mesmo critério (outubro de 2018).
Ou como Tencent, que iniciou operações em 1998, como uma plataforma de mensagens instantâneas e se transformou num gigantesco Ecossistema Global de Negócios, tendo o We Chat como uma de suas plataformas mais relevantes e tenha se transformado num dos maiores players globais em games.
Ou ainda como Xiaomi, lançada em 2010, como fornecedor de smartphones, se converteu num das maiores empresas do mundo em eletrônicos e supere a Apple na China, com seu modelo de venda direta da indústria para os consumidores.
A incrível evolução do uso da internet na China, que tinha apenas 22 milhões de usuários em 2000 e que hoje atinge 800 milhões, sendo 90% mobile para o acesso à internet, fez com que mais que um quinto da população digital do mundo seja chinesa hoje em dia.
E isso foi causa e consequência das transformações precipitadas por esses Ecossistemas de Negócios pois ao mesmo tempo que viabilizou essa transformação, nela se alavancou para crescer exponencialmente.
A participação do e-commerce no total das vendas do varejo chinês atinge perto de 24%, sendo de perto de 40% para os chamados FMCG, bens de consumo de rápida rotação. Para efeito de comparação na Coréia do Sul é de 18%, nos Estados Unidos de 11% e no Brasil estimados 4,5% porém, em todos os mercados crescendo significativamente mais do que qualquer outro canal ou formato de varejo.
Outra boa medida do impacto desse crescimento e transformações precipitadas é que, em 2018 os IPOs ligados à tecnologia de origem chinesa nos Estados Unidos, que foram de US$ 14,7 bi, sejam muito superiores quando comparados com os de origem norte-americana no valor total de US$ 7 bilhões.
Outro aspecto importante a considerar é que a participação da economia digital no total do PIB de diferentes países mostra que a China é o segundo maior percentual, com 6,9%, depois da Coréia do Sul com 8% e Estados Unidos é o quinto país nessa sequencia, com 5,4%. E o Brasil aparece em décimo lugar com 2,4%, segundo estudo da BCG.
Reflexões
Todos os números e indicadores que envolvem as transformações recentes na China são realmente impressionantes e justificam tudo que se possa buscar de referências para conhecer e poder gerar mais inspirações.
Mas o que tem sido mais inspirador do que o simples conhecimento, e até deslumbramento com essa realidade digital, é a identificação e aprofundamento de informações sobre os Ecossistemas de Negócios que determinaram essas mudanças e que continuam a alimentar a forte expansão da economia interna da China e sua irreversível, e para que não dizer preocupante, expansão global.
Que se faz cada vez mais presente também no Brasil.
Esse movimento já chegou no Brasil
Você imaginaria que seria possível vender no varejo no Brasil mais de R$ 1,5 bilhão por ano sem nenhuma loja, centro de distribuição ou funcionário? Pois o Alibaba já consegue isso vendendo diretamente a partir da China.
E estamos presenciando uma desfronteirização de negócios numa dimensão jamais vista antes.
Importante lembrar que apenas em torno de 80 empresas, nacionais e internacionais, vendem no varejo brasileiro valor superior a R$ 1,5 bilhão por ano.
Eles vendem em todo o país produtos eletrônicos (sem rede de assistência técnica), acessórios de moda, vestuário e produtos esportivos, além de diversos itens mais.
E tudo começa a partir das mudanças que hoje acontecem na China.
O que tem se desenhado a partir da realidade de negócios por lá está muito longe de uma evolução disruptiva. É necessário criar um novo termo para sua correta descrição. Talvez seja uma omnirevolução de mercado.
Essa omnirevolução tem como epicentro o empoderamento digital de uma população de 1,4 bilhão de pessoas e o surgimento dos Ecossistemas de Negócios, causa e consequência dessas mudanças.
Mas a melhor constatação é a velocidade, a dimensão e a valorização dos conglomerados que se posicionam como Ecossistemas de Negócios e que estão constante e decisivamente mudando o mercado como hoje o conhecemos.
O próprio Alibaba é uma empresa que iniciou suas operações de e-commerce há apenas 19 anos e tem valor de mercado de US$ 410 bilhões (outubro de 2018).
Para efeito de comparação o Walmart, ainda o maior varejista do mundo, criado há 56 anos, tem perto de 12 mil lojas e 2,3 milhões de funcionários no mundo e tem valor de mercado – também em outubro de 2018 – de US$ 278 bilhões.
Mas tem mais. A Tencent, que iniciou há apenas 20 anos seu ecossistema de negócios a partir da rede We Chat de comunicação digital, multiplicou vertiginosamente seus negócios, sendo líder global em jogos eletrônicos e tem hoje valor de mercado de US$ 334 bilhões, 30% superior ao do maior varejista do mundo! Como informação a Tencent, no início de outubro, comprou uma participação de 5% no banco digital brasileiro Nubank por US$ 90 milhões.
Percebem no que o mercado está apostando? Mas pode ter mais exemplos.
A JD, empresa focada em soluções digitais, que tem entre seus acionistas a Tencent com 21,25%, e que também opera uma miríade de negócios em seu próprio ecossistema, incluindo os supermecados 7 Fresh, tem valor de mercado de US$ 33 bi.
A Didi, a versão dominante de serviços de compartilhados de veículos, rival do Uber, usada por mais de 450 milhões de chineses, neste começo de ano comprou o controle da 99, que conferiu à empresa brasileira um valutation superior a US$ 1 bilhão.
A Didi tem entre seus acionistas Tencent e Alibaba e mais recentemente Apple também investiu na empresa. A Didi tem previsão de fazer seu IPO nos próximos meses e seu valor é estimado entre US$ 70 e 80 bilhões, depois de ter levantado US$ 4 bilhões no final do ano passado, quando foi precificada a US$ 50 bilhões.
Nessa lista de estrelas dos Ecossistemas de Negócios caberiam ainda várias outros nomes como Baidu, Xiaomi e muitas mais, todas com 20 anos ou menos de existência e resultado do crescimento incrível da economia chinesa e sua expansão local e internacional. E a multiplicação de seus negócios, interconectados e apoiados no conhecimento dos consumidores, que se assemelham às plataformas de negócios do mundo ocidental, dos quais os expoentes são Amazon, Apple, Facebook e Google.
Com a diferença que os modelos de Ecossistemas de Negócios criam uma interconexão mais ambiciosa e com muito maior velocidade, espalhando negócios, soluções e empresas num ritmo impressionante.
Muito tem sido dito e reportado sobre as mudanças que acontecem na China e muita atenção tem sido dada às transformações nas lojas, nos meios de pagamento, nos canais de distribuição e logística, nas redes sociais e no empoderamento digital do consumidor chinês mas muito mais precisa ser entendido sobre as organizações empresariais e seu impacto na própria China e no mercado internacional.
Os números de vendas e transações, o crescimento dos negócios, o valuation das empresas e a velocidade como tudo isso está acontecendo é um convite para uma aprofundamento e um aprendizado ainda mais intenso para identificarmos áreas de oportunidade e ameaças.
Afinal, quem poderia imaginar que seria possível vender no varejo do Brasil mais de R$ 1,5 bilhão por ano sem nenhum funcionário, centro de distribuição ou loja???
O verdadeiro negócio da China
Hoje são 800 milhões de usuários de internet na China numa população de 1,4 bilhão de pessoas, com nível crescente de urbanização que já chega a 60%. E 98% dos internautas chineses o fazem por celulares.
E a China é líder mundial em transações financeiras por celulares, muito distante dos Estados Unidos ou de qualquer outro país. Os dados disponíveis mostram que 36% dos pagamentos de transações comerciais na China são por celulares, enquanto nos Estados Unidos seria apenas 15%.
E para completar e destacar as diferenças: 93% de todas as transações de pagamentos móveis na China trafegam por Ali Pay ou We Chat Pay. E o e-commerce significa em torno de 24% de todo o varejo da China, o maior percentual no mundo atual.
Ou seja, essas duas plataformas, Ali Pay e We Chat Pay, têm o controle virtual do sistema de pagamentos digitais na China e usam de forma estratégica as informações relativas aos e-consumidores, incluindo seus hábitos e preferências, tendências e previsões, bem como os “analytics “dos vendedores para criar uma vantagem estratégica dificilmente superável por qualquer outro concorrente, especialmente num mercado semiaberto e controlado.
Apenas um varejista, a Wu-Mart, tem plataforma própria de pagamento digital, tentando se diferenciar num mercado dominado pelas outras duas dominantes.
Esse é o X da questão da China e sinaliza a perspectiva futura e potencial desse quadro para outros mercados do mundo onde os chineses estão concentrando sua expansão.
Incluindo o Brasil onde Alibaba, Tencent, Didi e Fosun têm feitos investimentos diretos em negócios financeiros ou de consumo.
Nos Estados Unidos, Brasil, França, Inglaterra, Espanha e a maioria dos países desenvolvidos os meios de pagamentos transitam entre dinheiro, cartões de crédito e débito, cheques e outras formas, incluindo o e-payment mobile, reconhecimento facial e outros, num processo evolutivo limitado pela questão da infra estrutura tecnológica e os hábidos arraigados.
Na China houve um salto estratégico e tecnológico, o chamado efeito “leapfroging”, e o e-payment torna-se rapidamente dominante e isso tem um efeito transformador do mercado jamais visto anteriormente.
A concentração em dois players integrados aos ecossistemas de negócios possibilita embarcar muitos outros benefícios para consumidores nos aplicativos de pagamentos, tais como programas de fidelidades, promoções, seguros, assistência, saúde e muito mais, reforçando o posicionamento e a vantagem competitiva. E isso faz toda a diferença.
E no Brasil
Os sistemas mobile de pagamentos no Brasil, assim como na esmagadora maiorias de mercados do mundo, é ainda incipiente.
Temos vários operadores que oferecem a tecnologia que, definitivamente, não é a principal barreira de entrada. A questão de preservação de mercado dos mecanismos de pagamentos existentes e os hábitos dos consumidores são os principais elementos a retardar a evolução, inevitável, dessa modalidade.
Ela será dominante em algum momento futuro.
Para todos que atuam nos setores financeiro e de consumo reconhecer e como se reposicionar nesse cenário emergente é talvez a pergunta que vale muito mais do US$ 1 bilhão, a tomar por base o que acontece na China.
* Todos os dados expostos neste artigo são referentes a outubro de 2018