Pelo segundo ano consecutivo, propósito foi um dos assuntos mais destacados nas palestras do NRF Retail’s Big Show, em Nova Iorque. Tanto quanto transformação digital, omnicanalidade e a ressignificação das lojas físicas, o tema vem ganhando importância na estratégia das empresas que surfam as ondas do Novo Varejo.
Para começo de conversa, que bicho é esse? O que significa propósito?
Muita gente acha que propósito de uma empresa é vender produtos ou serviços. Estão enganados. Isso é o QUE elas fazem. Propósito tem a ver com o PORQUÊ elas fazem, a razão de elas existirem. Quer um exemplo? A Warby Parker foi criada a partir do desejo de seus fundadores de oferecer acesso a óculos de grau a mais pessoas ao redor do mundo. Essa é a razão de ela existir, para isso foi criada. E por isso é tão querida por seus clientes.
Conheço pessoas que ainda acreditam que o propósito de suas empresas é produzir lucros. O problema de quem pensa assim é que marcas orientadas apenas para transações são cada vez menos relevantes para os consumidores. A boa notícia é que lucros e propósito não são conceitos antagônicos. Como explicou Hubert Joly, CEO da Best Buy, em concorrida sessão no NRF deste ano, “você precisa ter lucro para se manter nos negócios, mas o propósito deve ser contribuir com clientes, empregados, acionistas e comunidades onde atuamos”.
De fato, pesquisa divulgada pela SAP mostrou que 91% dos consumidores estão dispostos a trocar de marca por outra, de preço e qualidade similares, que tenha propósito. Durante o NRF, Jostein Solheim, head da operação de Alimentos e Bebidas da Unilever na América do Norte, confirmou a ideia de que ter propósito traz benefícios aos negócios, ao afirmar que as marcas do portfólio da Unilever com propósito, como Ben & Jerry’s, possuem melhor desempenho do que as demais.
Em grande parte, esse movimento tem sido impulsionado pelas novas gerações de consumidores. Varejo e shoppings ainda se orientam bastante pela lógica da Geração X, composta por pessoas nascidas entre 1960 e 1979, que privilegiam status e exclusividade. Millennials, no entanto, possuem valores diferentes. São globais, questionadores, preferem usufruir de experiências do que possuir produtos caros e exigem das marcas posicionamento claro. A turminha que vem depois, batizada de Geração Z, é ainda mais radical. Pesquisa da Box 1824 revelou que 53% dessa garotada militam por alguma causa e 64% almejam nada menos do que mudar o mundo. Abraçar propósito, portanto, é vital para assegurar relevância e, principalmente, perenidade.
O Big Show do NRF dedicou, este ano, várias sessões ao tema. Uma delas mostrou que o propósito da Patagonia, marca de roupas e artigos esportivos, é simplesmente ajudar a salvar o planeta. Isso passa por apoiar financeiramente organizações engajadas na proteção do meio ambiente, estimular o ativismo de clientes e funcionários e estimular o consumo consciente. Uma das iniciativas mais interessantes é a que leva a comunidades distantes o serviço de reparo de produtos da Patagonia, para que as pessoas não precisem comprar novos itens sem necessidade. Já a Best Buy definiu que seu propósito não é apenas vender produtos de tecnologia e sim ajudar a melhorar a vida das pessoas, por meio dela. Por isso desenvolve programas como o Teen Tech Center, que oferece treinamento e mentoria para que adolescentes de bairros pobres possam desenvolver seus talentos e ter mais oportunidades, com ajuda de produtos da Best Buy.
Em geral, as abordagens variam entre marcas que promovem valores compartilhados com seus clientes e aquelas que investem em causas socioambientais. Fazer a diferença na vida das pessoas, sejam consumidores, colaboradores ou toda uma comunidade, é o desafio. Como enfatizou Peter McGuiness, CMO da marca americana de iogurtes Chobani, durante o NRF, é preciso ir além da venda de produtos. Quando isso acontece, você deixa de desenvolver uma base de clientes e passa a apoiar a construção de uma comunidade de pessoas unidas em torno de crenças e valores semelhantes – algo bem mais poderoso.
No universo do varejo as marcas já perceberam que orientar seus negócios por propósito é um caminho sem volta. Já entre os shopping centers essa percepção só agora parece despontar com mais força, mas deve também ganhar tração rapidamente. A transferência de poder para os consumidores, dotados de mais opções e com informação em tempo real na palma das mãos, vai mudar o jogo para todo mundo. Tendo à disposição mais opções de locais para compras e diversão, eles darão preferência aos shoppings com os quais tiverem maior identificação. E isso, claro, passa pelo propósito, que vai, por isso mesmo, ganhar prioridade na agenda dos shopping centers brasileiros.
Consumidores, lojistas, acionistas e o próprio planeta agradecem.
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