Num movimento ainda tímido, as famílias brasileiras começam a superar os estragos provocados pela crise econômica e a retomar lentamente hábitos de consumo que foram deixados de lado nos últimos anos.
Mas o quadro atual ainda está distante do ‘boom’ de consumo vivido pelas famílias no início dos anos 2000 e uma melhora mais consistente deve se concretizar apenas com a retomada mais forte do mercado formal de trabalho.
O consumo das famílias foi um dos motores da atividade econômica no ano passado – impulsionado pela liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) – e deve seguir com esse papel. No biênio de 2019 e 2020, a expectativa é que o consumo cresça entre 2% e 2,5% em cada ano.
“Nos principais indicadores, já há uma trajetória de recuperação do consumo”, afirma Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências. “O desempenho do consumo dentro do PIB deixa evidente essa recuperação.”
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Uma série de fatores tem contribuído para que os brasileiros comprem mais: os juros estão mais baixos, há um avanço acelerado do crédito para pessoa física e o mercado de trabalho dá sinais de melhora, embora ainda tímido e calcado na informalidade.
“Um dos principais estímulos para o consumo é o crédito para pessoa física, que já cresce a dois dígitos. No varejo, os segmentos sensíveis ao crédito já crescem mais de 10%”, diz Luka Barbosa, economista do banco Itaú.
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Em 2020, essa combinação ainda deve ser favorecida pela melhor composição do emprego no país, com um aumento da formalização. O Itaú, por exemplo, projeta que neste ano serão criados 881 mil empregos formais no país – número próximo ao da consultoria LCA, que espera cerca de 800 mil novas vagas no ano. Em 2019, foram criados 644 mil empregos formais, no melhor resultado em seis anos, segundo dados divulgados nesta sexta-feira pelo Ministério da Economia.
A expectativa de melhora no varejo em 2020 já movimentou o negócio das irmãs Amanda Aparecida dos Santos, 25, e Andressa Carolina dos Santos, 17, que têm uma confecção em São José dos Campos. Para elas, 2019 não foi de muitas vendas, mas os pedidos cresceram neste começo de ano e as duas foram até a rua 25 de março, em São Paulo, comprar matéria-prima para abastecer a produção.
Cautela predomina
Embora o quadro atual aponte para uma retomada do consumo, uma série de riscos ainda pairam sobre a economia brasileira e podem minar a melhora do orçamento das famílias. Boa parte dos brasileiros, sobretudo os mais pobres, ainda tem uma considerável parcela da renda comprometida com dívidas.
O indicador de estresse financeiro das famílias, medido pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), ajuda a entender o quadro de cautela que ainda paira sobre brasileiros. Ele consiste na soma da proporção de famílias que usam algum tipo de poupança para quitar despesas correntes e daquelas que dizem estar endividadas.
Nos últimos meses, esse índice deu algum sinal de melhora, mas continua acima dos 20 pontos, um patamar ainda considerado alto pelo Ibre. Em dezembro, na última leitura disponível, ficou em 22,2 pontos. No mesmo mês de 2018, estava em 23,3 pontos. Em junho de 2016, no auge da recessão, chegou a 28,2 pontos.
No mês passado, 13,1% dos brasileiros estavam usando algum tipo de poupança para quitar despesas e 9,1% afirmaram estar endividados.
Inadimplência alta, mas em queda
Apesar de ainda alto, o índice de inadimplência medido pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) vem desacelerando e, em novembro, caiu pela primeira vez em dois anos. Em dezembro, veio uma nova redução. Para a economista da entidade, Marcela Kawauti, isso indica uma melhora mais estrutural da economia, ainda que lenta.
“No terceiro trimestre tivemos impulsos pontuais, como os saques do FGTS, que injetaram dinheiro na economia, e também muitos feirões [de renegociação de dívidas], mas tem uma questão mais perene por trás dessa redução da inadimplência, que é a reação do mercado de trabalho. Não fosse isso, não veríamos essa inversão [na curva do índice de contas atrasadas].”
Marcela destaca que o fato de o índice de atrasos estar caindo dá um “viés positivo” para o crescimento do país em 2020.
“A inadimplência funciona como uma âncora na recuperação econômica. Com a volta do emprego, o consumidor tem a renda recomposta, mas precisa pagar o que está devendo para voltar consumir. Ela é um intermediário entre a recuperação do mercado de trabalho e a recuperação do consumo, por isso a perspectiva é positiva.”
Desempregada, a auxiliar de limpeza Simone Batista, de 47 anos, faz “bico” cuidando de um senhor idoso para conseguir pagar as contas e espera conseguir um trabalho com carteira assinada em 2020.
“Ano passado foi péssimo, passei o ano todo desempregada, deixei de comprar muita coisa. Imagina todo dia a pessoa batendo na sua porta querendo receber e você não ter pra pagar? Espero que 2020 seja melhor, que eu consiga um emprego.”
Consumo e o peso no PIB
O desempenho do consumo das famílias é importante porque ele representa uma grande fatia na composição do Produto Interno Bruto (PIB), cerca de 65%.
No ano passado, com os números da economia decepcionando, o governo decidiu liberar parte dos recursos do FGTS para tentar estimular a economia. A medida não é nova e foi adotada durante a gestão do ex-presidente Michel Temer em 2017, quando o PIB também crescia menos do que o esperado.
Na projeção Santander, os recursos do FGTS devem ser responsáveis por metade do crescimento de 0,8% esperado para o consumo no quarto trimestre.
“O FGTS dará um estímulo no quatro trimestre, mas deve haver alguma ressaca (no consumo) dado o efeito temporário na renda”, afirma Lucas Nobrega, economista do banco Santander.
O Santander estima que o consumo tenha avançado 2,3% no ano passado e cresça 2,5% em 2020.
Com informações do portal G1
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