Começamos o ano com algum otimismo, mas o coronavírus deteriorou de uma maneira acentuada o relacionamento ente china e Estados Unidos. Foi assim que Cláudia Trevisan, jornalista e pesquisadora do Instituto de Política Externa da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, iniciou sua participação em live promovida pela Mercado & Consumo na manhã desta quarta-feira (22). Segundo ela, a disputa entre Estados Unidos e China trará impactos para a economia mundial.
Claudia disse que o mundo ainda está na segunda década do século e não sabemos quem será a grande potência destes cem anos. “Não sabemos se este século será o século da China, dos Estados Unidos, bipolar ou multipolar. Esta é uma das grandes questões do momento”, argumentou a especialista. Ela aproveitou ainda para dizer que o presidente Trump está usando a China como instrumento de eleições políticas e acusando o país como grande responsável por toda crise no país.
A pesquisadora destacou que, embora a China esteja assumindo uma posição econômica muito importante, “os Estados Unidos continuam a ser a grande potência militar do mundo e essa posição ainda deverá ser mantida por um bom período. Além disso, conta com uma vantagem enorme, já que o dólar é a moeda usada na maioria esmagadora das transações financeiras globais”, explicou.
O principal foco entre a disputa por supremacia EUA/China é tecnológico e espelhado na implantação do 5G e, particularmente, nas restrições à empresa Huawei, porém os Estados Unidos têm o domínio da comercialização de chips na China, com 50% do mercado, o que acirra o confronto e pode asfixiar a empresa. Segundo ela, o Brasil é palco da disputa na questão 5G e em especial para restrição de equipamento da fabricante. “Como a competição é restrita (Nokia e Erikson) se a Huawei não atuar no Brasil, o contexto pode não ser vantajoso para consumidores e operadoras. Se os EUA decidirem asfixiar a Huawei será ruim para todos os países que utilizam os equipamentos da empresa e isso pode reduzir consideravelmente a implementação do 5G”, alertou a especialista.
Por outro lado, Cláudia acredita que um rompimento entre as nações é muito difícil, devido à interdependência entre elas. “A realidade de hoje é muito diferente daquela da Guerra Fria de verdade, protagonizada por Estados Unidos e União Soviética. O comércio deles era de US$ 2 bilhões por ano. As trocas entre Estados Unidos e China somam US$ 2 bilhões por dia”, declarou. O país asiático é o segundo maior credor dos Estados Unidos.
Além disso, uma separação entre os países se torna mais difícil devido à ligação que possuem em relação às cadeias produtivas e empresas. O estabelecimento de áreas de influência separadas é pouco provável, já que “70% dos países hoje têm mais comércio com a China do que com os Estados Unidos. Em 2001, quando a China ingressou na OMC, 80% dos países tinham mais comércio com os Estados Unidos”, definiu Cláudia.
Perguntada sobre a expansão do mercado chinês, Claudia afirmou que a China tem razões estruturais para investir fora do seu território, uma vez que ela tem capital e excesso de capacidade de produção em vários setores. Ela contou que o impacto imediato do coronavírus causa congelamento e retração de investimentos no exterior porque há uma dificuldade para se fazer negócios, mas passado a fase mais aguda desta pandemia, a China vai retomar os investimentos. “Essa identidade do país como um grande investidor veio pra ficar”, destacou.
Todas estas mudanças devem ter grandes impactos no Brasil. Os Estados Unidos foram o maior parceiro comercial do país, situação que mudou em 2009, quando o posto passou a ser ocupado pela China. A nação asiática também é uma das maiores investidoras estrangeiras no Brasil, estando em posição próxima ao líder, que é os Estados Unidos. Estes fluxos tendem a aumentar, com a proibição dos investimentos chineses nos Estados Unidos, sobretudo na área de tecnologia. Assim, os valores devem ser repassados para outros países, sobretudo nações emergentes como o Brasil.
* Imagem reprodução