A paralisação das atividades econômicas e as novas regras de distanciamento social por conta da Covid-19 impõem uma reflexão inédita às lojas físicas de pequenos negócios e grandes redes de varejo.
E é à beira deste “divã comercial” que Ken Nisch trabalha. Há 25 anos, o americano atua como chairman da JGA, um dos mais importantes escritórios de arquitetura de varejo dos Estados Unidos.
Fundada em 1971, a companhia criou ambientes de varejo inovadores e divertidos para uma lista diversificada de clientes internacionais. Entre eles, marcas como Hershey’s, H&M, Whole Foods e a brasileira Cacau Show.
Nisch, que não parou durante a pandemia, reflete sobre seus novos aprendizados. “Se o cliente esperava conveniência 24 horas por dia, 7 dias por semana, agora ele espera comprometimento”, afirmou Nisch, em entrevista ao NeoFeed.
De acordo com ele, o varejo físico terá de pensar em novas formas de engajamento. “Quando um cliente vai às compras, sobretudo às presenciais, ele é mais intencional”, afirma Nisch. “É provável que gaste mais e tenha expectativa maiores do envolvimento, reconhecimento e experiência.”
Nisch também não vê um novo normal. “Olha, o que existe, ao meu ver, é a aceleração do que já era um caminho. Então, em vez de chamá-lo de novo normal, eu diria que é um normal acelerado.”
A entrevista acontece poucos dias antes de Nisch participar do Global Retail Show 2020, evento online que acontece entre de 13 e 19 de setembro.
O evento deste ano irá discutir a retomada do varejo e o futuro do consumo na perspectiva global. São esperadas cerca de dez mil pessoas nas plenárias e sessões temáticas, que serão distribuídas em 67 painéis com mais de 280 palestrantes nacionais e internacionais.
Acompanhe os principais trechos da entrevista com Nisch:
Você acredita que a pandemia mudou o negócio do design?
Apesar das tragédias pessoais e privadas trazidas pela Covid-19, o lado bom dessa crise é a disrupção, o foco organizacional e a mudança de cultura que só ocorre quando velhos métodos, paradigmas e expectativas são desafiados. Não estou muito seguro de que o negócio do design mudou “para valer”, mas o approach e a responsabilidade para com ele, sim, está mudando. Fazer investimentos subjetivos, como parte de um “hábito” corporativo, esperando que as coisas mudem por si, não é mais suficiente.
Como o negócio do design pode ajudar empresas e empresários a vencer essa crise?
Pode ajudar de muitas maneiras. A parte mais óbvia e, infelizmente, menos empolgante, é mostrar que as organizações têm de ter empatia e estar comprometidas com o bem-estar e segurança de todos, começando pelo de suas próprias equipes que lidam com o cliente. Isso explica as novas soluções, como as retiradas de produtos onde antes não havia, as compras assistidas, os horários especiais para idosos. Todos demonstram que as organizações estão colocando seus clientes em primeiro lugar.
E de um ponto de vista mais estratégico?
Se o cliente esperava conveniência 24 horas por dia, 7 dias por semana, agora ele espera comprometimento 24 horas por dia, 7 dias por semana. E isso vale para pequenas atitudes, como ter horários reservados para compras privadas em casos de grupos de risco, ou criar ambientes dentro da loja que permitam engajamento seguro.
Como assim?
Como cafés e outros elementos da boa hospitalidade foram suspensos por conta das regras de distanciamento social, é preciso repensar novas formas de engajamento. Estamos usando o termo “broadcast shopping” para descrever essa abordagem. Exemplos disso seria a aplicação de melhores recursos para que os vendedores tenham ferramentas para interagir de forma mais eficiente com o cliente ou com a comunidade varejista.
E por falar em varejo, qual seria esse novo normal?
Olha, o que existe, ao meu ver, é a aceleração do que já era um caminho. Então, em vez de chamá-lo de novo normal, eu diria que é um normal acelerado. As nossas necessidades e os produtos que agora entendemos como essenciais mudaram nossa ida às compras.
Mudaram como?
Quando um cliente vai às compras, sobretudo às presenciais, ele é mais intencional. É provável que gaste mais e tenha expectativa maiores do envolvimento, reconhecimento e experiência. Os consumidores, pelo menos no curto prazo, ainda procuram se unir, ser sociais, mas provavelmente o farão de maneiras diferentes. Eles podem participar de degustação de vinhos virtuais e experiências culinárias que complementam as compras.
Você poderia dar um exemplo de como o design pode ser útil para ajudar um negócio, sobretudo em tempos de dificuldade?
Para uma grande empresa de luxo, do ramo da joalheria, com centenas de lojas, aplicamos a lógica do “mais longe, mais curto, diferente”. Nós os ajudamos a ‘pivotar’ áreas do negócio que poderiam alavancar seu inventário e recursos humanos, das vendas à produção. Por fim, auxiliamos no aprimoramento de sua marca digital para que complementasse o negócio físico.
Mas como exatamente fizeram isso?
Criando uma “sala de estar” dentro do escritório. Uma área que rapidamente se transformou num espaço de “broadcasting”, servindo como cenário para videoconferências e consultas virtuais. Também desenvolvemos um cantinho para “workshops” e experiências interpessoais que respeitem as regras de distanciamento.
O e-commerce viveu um boom nos últimos meses e muitos varejistas passaram a investir em ferramentas virtuais. Você acha que é errado pensar em operação online versus offline?
Nem todos os e-commerces cresceram. Alguns exemplos nos Estados Unidos de lojas de departamento e de luxo viram suas vendas online achatarem ou declinarem. Os maiores beneficiados, no começo da crise, foram os negócios que existem exclusivamente online, como a Amazon. Mas, no longo prazo, não acho que seja uma mudança de comportamento do consumidor, mas a aceleração do que já vinha acontecendo. Se essa evolução vai estabilizar ainda é uma questão em aberto. O que não é mais uma dúvida é que o cliente tem que se relacionar com a marca, em todos os canais e áreas.
Considerando que estamos no meio de uma crise global, que dica daria para aqueles que querem ou precisam renovar sua presença física?
Acho que “atualização” não é a melhor palavra, eu prefiro o termo “ativação”, que inclui estabelecer e reforçar o diálogo entre as operações online e offline. As dicas que eu daria, portanto, seria apostar no empoderamento da equipe, no relacionamento com o cliente e balizar tudo isso como uma jornada contínua de melhoramento. Não é, portanto, uma necessidade de renovar a presença física, mas reenergizar a interação com a marca, o que também passa, provavelmente, pelo espaço físico.
Com informações do porta NeoFeed.
* Imagem reprodução