Passados mais de seis meses após o início da pandemia, o mercado parece estar cada vez mais próximo de alguma normalidade. Ainda que de forma lenta, mesmo os mercados mais afetados pela crise econômica começam a mostrar números e resultados melhores. Nas ruas e corredores comerciais, se percebe uma presença cada vez maior de consumidores, o que gera uma expectativa positiva de retomada para os próximos meses e datas sazonais.
Mas notícias e indicadores recentes demonstram que uma nova crise poderá atrapalhar em muito esse cenário de retomada, tendo como gatilho inicial a falta de produtos e insumos no mercado.
Um dos fatores é o dólar alto. Com o dólar alto, muitos produtores, dos mais diversos segmentos, estão optando por vender ao mercado externo, ao invés de vender para o mercado interno. Assim, faltam produtos e insumos para produção e consumo do mercado interno.
Outro fator é a demanda inesperada. Se alguns setores tiveram problemas durante a pandemia, por outro lado alguns segmentos e produtos tiveram uma demanda muito maior do que a esperada, como farma, alimentos, material de construção e eletroeletrônicos, por exemplo. Uma alta demanda, somada à uma questão fabril interrompida ou limitada por conta da pandemia, está ocasionando uma escassez na produção e entrega de produtos para o mercado.
Por conta disso, são diversos os segmentos que começam a apontar probabilidade de desabastecimento e de falta de produtos ou insumos desde já, ou nos próximos meses. E, mesmo que não haja a falta de produtos, uma alta demanda com baixa oferta poderá elevar os preços.
Há algumas semanas, vimos uma verdadeira guerra de bastidores, entre governo, supermercadistas e produtores elegendo como vilão o arroz, o que acabou abrindo a importação do produto para buscar regular o preço ao mercado.
O varejo de construção é um bom exemplo desse cenário também. Tendo um desempenho surpreendente durante a crise, talvez só perdendo para o segmento de supermercados, começa a registrar a falta de produtos básicos, como tijolos, telhas e cimento, e até mesmo produtos que demonstram um problema de produção global, como PVC e cobre. Sim, não se trata em alguns casos de algo regional, mas de algo que está sendo vivenciado globalmente pelos mercados.
No caso do cobre, boa parte do problema vem em consequência da paralisação de mineradoras no Chile, responsáveis por mais de 11% da produção mundial. A falta do material poderá, também, atrapalhar a produção e encarecer os valores de eletroeletrônicos (muitos componentes de computadores, celulares e televisores, por exemplo, contêm o material).
E, no caso dos alimentos, não se trata somente do arroz como vilão. Em meio ao debate em torno das queimadas e o papel da pecuária em algumas regiões, frigoríficos do Mato Grosso anunciaram, na semana passada, que há falta de gado para abate, com grandes impactos em 2021.
No segmento têxtil, diversas empresas têm se queixado da falta de tecido de algodão e malharia. Tal qual no caso do arroz, uma grande demanda internacional levou boa parte da produção para o mercado externo, faltando matéria-prima no mercado nacional para produção de novas peças. Os que estão conseguindo acabam fazendo isso por valores muito maiores do que os antes praticados, o que poderá impactar no valor final ao consumidor.
Temos ainda pela frente duas grandes datas sazonais, a Black Friday e o Natal, que, para muitos empreendedores, representam as últimas esperanças de se conquistar algum resultado ainda dentro desse ano.
Em meio à um cenário de retomada e normalidade, amplificados pela presença cada vez maior dos canais digitais, poderemos ter um cenário de alta demanda e baixa oferta, o que poderá gerar preços inflacionados, frustrando e afugentando consumidores, afetando diretamente o resultado esperado. Um impacto que poderá ser mais sentido em uma Black Friday, uma vez que é uma data em que ainda prevalece uma compra de impulso, muitas vezes não planejada.
Valores altos em um Natal poderão, mais uma vez, abaixar o tíquete médio de algumas marcas, levando a data a ser mais uma na qual prevalecerão as “lembrancinha” no lugar da venda de grandes produtos.
Em cenários em que há uma série de fatores que acabam elevando os preços, o varejo acaba por vezes sendo apontado como o vilão, uma vez que é aquele que oferece o preço final ao consumidor. Para evitar esse risco, a transparência e comunicação com seus consumidores nesse momento poderá ser um grande diferencial.
Em meio à tudo o que estamos vivenciando no últimos meses, é difícil cravar o que pode acontecer ou o quanto tudo isso poderá, de fato, impactar em valores inflacionados ou nas vendas do varejo nesse momento. Mas é certo que o varejista deve estar antenado às movimentações que estão acontecendo e se preparar para tentar otimizar ao máximo seus processos de estoques e operações, comprando de forma otimizada, de olho no que de fato vende.
Caio Camargo é sócio-diretor da Gouvêa Tech.
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