No ano passado, em meio à pandemia, o americano Jeff Gallagher, um plantador de arroz da Califórnia, recebeu uma má notícia: a cafeteria Identity Coffees, que ocupava um imóvel de sua propriedade, com cerca de 200 m², em West Sacramento, iria fechar as portas, por conta das dificuldades impostas pelo Covid-19. Depois de algum tempo tentando novamente alugar a loja, sem sucesso, Gallagher tomou uma decisão ousada: resolveu investir na franquia de um restaurante de comida asiática e operar ele mesmo o espaço, juntamente com sua esposa. A inauguração está prevista para o mês que vem.
A história de Gallagher é uma versão em pequena escala da estratégia que vários shopping centers deverão utilizar daqui para a frente. Na ausência de lojistas relevantes, muita gente será obrigada a buscar soluções que passam por incorporar operações varejistas, assim como explorar negócios e formatos pouco usuais.
Essa história, no entanto, não é exatamente nova. A Simon, maior empresa de shoppings dos Estados Unidos, já havia se lançado nessa jornada, antes mesmo da Covid. Em 2016, por exemplo, adquiriu o controle da Aeropostale. Alguns anos depois fez o mesmo com a Forever 21 e, mais recentemente, comprou a JCPenney, sempre em parceria com a Brookfield e a Authentic Brands. O portfólio de varejo da Simon inclui ainda nomes como Brooks Brothers e Lucky Brand. A ideia é conter a vacância em seus empreendimentos e também aproveitar a oportunidade para integrar marcas fortes por preços vantajosos.
Grupos nacionais fazem algo semelhante há pelo menos dez anos. O Iguatemi é, talvez, o mais atuante nesse campo, tendo criado em 2009 o iRetail, uma espécie de holding de marcas de luxo, incluindo Goyard, Vilebrequin, Polo Ralph Lauren, MMissoni, Louboutin, Balenciaga e DVF, da estilista Diane Von Furstenberg. Todas essas operações são exclusivas e conferem um importante diferencial para os shoppings da rede. Além disso, o iRetail também é responsável pelas operações online de outras 48 marcas no Iguatemi 365, que atende virtualmente cerca de 2 mil cidades brasileiras. Em um interessante movimento de integração do físico com o digital, em breve o iRetail pretende inaugurar uma loja de tijolo e cimento, no formato guide shop, no Iguatemi São Paulo, para aproximar parte dessas marcas, hoje disponíveis apenas no marketplace, dos frequentadores do shopping. No futuro, essas guide shops poderão espalhar-se por outras cidades, inclusive aquelas onde não existe um shopping físico Iguatemi.
A JHSF também possui uma divisão para operar marcas de luxo, como Hermés, Emilio Pucci e Jimmy Choo. Há outros exemplos pontuais de operações assumidas pelos empreendedores de shopping centers nacionais, quase sempre com a intenção de enriquecer o mix e, eventualmente, diversificar negócios, sem representar, no entanto, uma vertente estratégica relevante.
A ideia de operação de varejo própria começa, no entanto, a se estender para além dos territórios do luxo e das oportunidades pontuais. No final de 2019, a brMalls, uma das principais redes do País, lançou no Rio de Janeiro o Trama Lab, loja colaborativa destinada a acomodar um conjunto de novos varejistas de moda, até então distantes dos shopping centers. No final do ano passado o conceito desembarcou no Shopping Villa-Lobos, em São Paulo, no formato de um marketplace físico, onde a operação é centralizada e liderada pela área de varejo da brMalls. Curiosamente, marcas consolidadas, como a C&A, também estão embarcando no projeto, com o objetivo de usar a loja física da Trama Lab como campo de provas de novos conceitos.
O marketplace físico ganhou mais evidência lá fora nos últimos tempos, impulsionado por propostas como b8ta, loja que oferece serviços de varejo a pequenos fabricantes, e Showfields, um incrível espaço desenhado para abrigar marcas descoladas. Dado o sucesso no exterior, é natural que a ideia do “Retail as a Service” (varejo como serviço) cedo ou tarde ganhasse força por aqui. Nesse momento, outros shopping centers trabalham em projetos de marketplaces físicos, com diferentes conceitos, mas todos capazes de oferecer um novo tipo de espaço para atrair marcas e varejistas para o mall, reduzindo vacância e agregando novidade e frescor ao shopping.
Enganam-se, porém, os que pensam que os shoppings se limitarão a operar, direta ou indiretamente, lojas e marketplaces físicos, como o Trama Lab. Várias redes já arregaçaram as mangas e entraram de cabeça em negócios como vendas online, logística e exploração do mall como canal de mídia e ativação promocional, por exemplo. Logo irão também se aventurar mais intensamente no fornecimento de outros serviços. Produtos financeiros, para frequentadores e lojistas, constituem-se em uma evolução natural. A depender das características do local, investir em dark kitchens, para atender a demanda crescente do consumo de refeições prontas no lar ou escritórios, faz muito sentido. E explorar o universo do entretenimento, em suas diversas frentes pode ser não apenas lucrativo como essencial do ponto de vista estratégico, pelo poder de geração de tráfego no shopping. Parte desses serviços será fornecida pelas equipes dos shoppings, reforçadas por profissionais com novas competências, e parte por empresas parceiras que comporão um poderoso ecossistema de negócios.
Vale destacar que todos esses novos negócios são simbióticos, ou seja, estão inter-relacionados. O sucesso de um apoia o progresso dos demais. E todos juntos ampliam a percepção de valor da remuneração paga por lojistas e marcas patrocinadoras pelo acesso ao conjunto de consumidores qualificados, identificados e engajados que formarão a base de clientes do shopping.
Criar novos produtos e serviços e revisar sua proposta de valor. Essa é a evolução natural dos shopping centers que, aos poucos, começam a perceber que o futuro pode ser bem promissor, desde que estejam dispostos a abandonar a zona de conforto e arriscar-se por mares nunca dantes navegados.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
Imagem: Envato/Arte/Mercado&Consumo