Estamos assistindo um importante redesenho na distribuição do potencial de consumo no País, nos planos macro e micro, como consequência das transformações precipitadas pela pandemia. Algumas de curto e médio prazo, outras de caráter estrutural e definitivo.
Os modelos de análise e dimensionamento de potencial que desenham a geografia de consumo, usualmente baseados na projeção das variáveis macroeconômicas e relacionados com o comportamento recente de mercado, devem, necessariamente, ser revistos. O potencial de consumo já não é mais aquele.
Elementos como a reconfiguração do emprego e da renda entre setores e regiões, o crescimento do comércio digital, a alteração na distribuição dos dispêndios entre produtos, serviços, categorias e marcas, as mudanças de hábitos precipitadas pelo home office, a revisão dos deslocamentos e o tempo neles consumidos0 são apenas alguns dos elementos que contribuem para essas mudanças. Algumas são transitórias e outras, de mais longo prazo.
No plano macro, tudo que envolva regiões com maior presença de atividades ligadas à produção e à agroindústria têm previsão de aumento de seu potencial de consumo para as próximas décadas. Enquanto isso, áreas com forte presença de determinadas atividades industriais e de serviço que se tornaram mais ou menos competitivas globalmente tendem a perder vigor de consumo por conta das variações de população, emprego, renda e propensão a consumir.
Sem falar no processo de envelhecimento da população, que se acelera no período e terá impactos ainda maiores no futuro, e no resultado que poderemos ter com a redução das taxas de juros ao consumidor e com o avanço de fintechs, que poderão precipitar uma maior democratização do crédito.
No plano mais limitado, micro, áreas em que havia elevado potencial de consumo pela concentração de atividades comerciais e de serviços perderam representação. Outras, consideradas residenciais ou apenas de passagem, ao contrário, cresceram em seu potencial pelo crescimento da importância do vetor conveniência no processo decisório.
Um dos fatores que contribuem para a importância dessa reconfiguração da geografia de consumo envolve a participação das vendas pela internet, que dobraram no varejo de 2019 para 2020. Elas já atingem 10% das vendas totais, e continuarão a crescer nos próximos anos.
Esse processo levou produtos e marcas para regiões menos equipadas em lojas e pontos de venda. Essas regiões passaram a ser atendidas de forma eficiente por operadores mais estruturados e ousados a partir de uma avançada malha logística, que permite que compras possam ser entregues em horas ou poucos dias, reduzindo deslocamentos e espera dos consumidores. E estimulando o acesso, a compra e o consumo, concorrendo com a oferta estrutural local e criando demanda.
É verdade, também, que estimulando a concentração e a polarização de mercado.
Por tudo isso, onde cabia uma loja com determinado tamanho talvez não caiba mais, ou o tamanho e a própria oferta da loja tenha de ser revista, incorporando mais serviços e soluções e mudando a participação do mix de produtos.
Onde se imaginava que demoraria algum tempo ainda para justificar um centro comercial ou strip mall, a demanda está configurada e os projetos podem ser antecipados.
Onde se considerava determinada distribuição das compras das famílias entre categorias de produtos, temos uma relevante mudança, por exemplo, de alimentos para serem preparados no lar por soluções prontas de alimentação. Pelo delivery ou não e variando profundamente entre regiões e segmentos sociais.
Outro fator relevante de mudança diz respeito à mudança dos dispêndios com serviços, como saúde, entretenimento domiciliar ou educação à distância, ou a combinação de produtos e serviços gerando soluções que tornam a vida durante e pós-pandemia mais simples, prática e conveniente.
Nesse conjunto de transformações, como em muitas outras situações, toda generalização é perigosa e, de prático, é preciso, ainda no meio da pandemia, repensar as transformações na geografia e no potencial de consumo que vieram para ficar e outras que foram precipitadas no momento e tenderão a se reposicionar com o tempo.
Mas definitivamente o potencial de consumo e sua distribuição geográfica, setorial, por segmentos e classes socioeconômicas, canais de vendas, locais de compras e consumo, formatos de lojas, serviços, soluções, categorias de produtos e também marcas, embalagens e outras variáveis têm e terão mudanças relevantes que irão alterar de forma marcante o desempenho dos negócios no presente e no futuro.
E não dá para esperar para ver como vai ficar depois que a pandemia passar.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvea Ecosystem e publisher da plataforma Mercado & Consumo.
Imagem: Envato/Arte/Mercado&Consumo