Por Aiana Freitas e Larissa Féria
A recuperação da economia em meio à crise gerada pela pandemia de Covid-19 depende prioritariamente da retomada de consumo. E isso só vai acontecer se houver apoio do governo aos empreendedores e aos trabalhadores. As considerações foram feitas pelo ex-presidente Michel Temer em um debate virtual promovido nesta terça-feira (27). Cerca de 60 executivos das maiores empresas do País também participaram da segunda edição do evento “Quando os presidentes se encontram”, realizado pela Gouvêa Ecosystem e mediado pelo fundador e CEO Marcos Gouvêa.
“O varejo é fundamental. O setor tem uma capilaridade extraordinária. Quando associações ligadas ao varejo publicam manifestações nos jornais, eu leio, os deputados leem, todos leem. Elas têm muito significado para os parlamentares. As associações poderiam ter uma espécie de ‘escritório’ em Brasília para que pudessem acompanhar projetos no Congresso Nacional e visitar lideranças, levando sugestões. Neste momento, o País precisa de unidade e ação”, afirmou Temer.
Ele disse considerar fundamental um plano para reduzir o desemprego e aumentar o consumo. Como exemplos, citou a liberação das contas inativas do FGTS e os aumentos dados ao Bolsa Família durante seu governo. “Quando liberamos as contas inativas do FGTS, foram introduzidos R$ 44 bilhões na economia, alcançado 25 milhões de trabalhadores.” E lamentou a falta de planejamento atual. “Ter um plano é fundamental, até para dar tranquilidade à população. A pandemia atrapalhou tudo, mas ainda é tempo.”
Investimentos estrangeiros
Para o ex-presidente, a recuperação da economia também depende de investimentos estrangeiros. “Depois da pandemia, vamos precisar não apenas de investimentos públicos, até porque temos pouco dinheiro para isso. Vamos ter de ter investimentos estrangeiros. Precisamos de uma presença internacional. Não temos condições de ser bilaterais. Temos de ser universalistas e nos dar bem com todos os países”, pontuou.
Durante o debate, um dos convidados, o gerente de Estratégia e Marketing da Sodexo, Gabriel Paiva, comentou que o Brasil recentemente “queimou algumas pontes” na comunidade internacional e perguntou quais seriam as formas de o País se recuperar nesse campo.
“É preciso uma ação governamental na área de Relações Exteriores. O presidente [Jair Bolsonaro], nos últimos tempos, tem mudado um pouco o discurso. A própria mudança na chancelaria já significa muito”, disse, em referência à entrada de Carlos Alberto Franco França no lugar de Ernesto Araújo. “Nossos principais parceiros são a China e os Estados Unidos. Você tem de estar bem com os países árabes e com Israel”, exemplificou.
Reformas necessárias
A necessidade de reformas estruturais foi levantada, no debate, pelo conselheiro do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) Fernando de Castro. Temer disse que, embora a reforma tributária seja necessária para a recuperação da economia, o momento não é favorável para a aprovação. “A reforma tributária é muito difícil, porque aumentar tributos é oneroso demais, especialmente para a classe produtiva. O que é possível fazer é uma espécie de simplificação tributária. Seria muito útil.”
Na opinião dele, as corporações ganharam relevância e têm muito poder para influenciar o Congresso Nacional em uma eventual reforma administrativa. Mas a aprovação também tenderia a ser complicada agora.
“Eu identifiquei essa necessidade e fiz reformas silenciosas no meu governo. Por exemplo, havia cerca de 20 mil cargos em comissão que estavam desocupados. Nós eliminamos. Numa outra vez, o presidente do Banco do Brasil me avisou que ia fechar agências improdutivas, sem causar prejuízo ao usuário, por meio do Plano de Demissão Voluntária. E fizemos uma reforma silenciosa.”
Eleições de 2022
Michel Temer criticou a antecipação do debate sobre as eleições presidenciais de 2022. Segundo ele, o momento é de união para discutir os problemas atuais causados pela pandemia de Covid-19. “Tenho dito, com muita frequência, que não devemos antecipar 2022 para 2021, porque em 2021 já temos problemas seríssimos. Temos de combater a pandemia e recuperar a economia. É preciso esperar 2022”, disse.
Mesmo sem citar nomes, o ex-presidente falou sobre a possível polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula, que teve os direitos políticos reestabelecidos após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) anular as condenações feitas pela 13ª Vara Federal de Curitiba. “Há duas radicalizações, mas acho que vai acabar aparecendo alguém que caminhe pelo meio. Mas não será agora. Temos de esperar o ano que vem. Isso será mais útil política e civicamente para o Brasil.”
Questionado se poderia ser essa terceira via, disse: “Confesso que já fiz um pouco de tudo na vida, mas já cumpri um papel. Não tenho muito essa disposição, mas evidentemente eu só discutiria isso em 2022.”
Momento de ‘aflição’
O ex-presidente classificou o atual momento vivido no Brasil e no mundo como de “muita aflição”. “Estamos vivendo e passando por momentos de muita aflição. Aflição por causa da pandemia, que lamentavelmente é um problema universal, e aflição em torno de momento da economia. A esta altura, com parte do varejo ainda fechado, há as mais variadas angústias. Mas é importante sabermos que o Brasil tem instituições muito sólidas. Hoje temos certa estabilidade que não tínhamos no passado”, comentou.
Mas Temer insistiu que é preciso haver resiliência. “Devemos ter uma resistência no sentido de não nos entregarmos, nem com relação à pandemia, nem com relação à economia. A economia é recuperável. O que não pode é tardar muito. Isso ocorrerá por meio da imunização, por meio das vacinas, e todos lamentamos a disputa e a controvérsia em torno do assunto.”
O debate promovido nesta terça foi o segundo de uma série que vem sendo realizada pela Gouvêa Ecosystem. O primeiro, em março, contou com a presença do também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O próximo encontro com presidentes de empresas será em maio e terá como convidado Mark Greeven, professor do Institute for Management Development (IMD) e autor de um livro sobre ecossistemas de negócios chineses. O evento é exclusivo para convidados.
Imagens: Agência Brasil e Reprodução