Até pouco tempo atrás era relativamente simples definir o valor de uma loja: em linhas gerais, ela valia tanto quanto conseguia vender. Para calcular o ROI (retorno sobre investimento), o lojista precisava apenas dividir o faturamento total pelo custo de ocupação, o que no caso dos shopping centers inclui aluguel, condomínio e fundo de promoção. No caso da maioria das lojas satélites, para a operação ser considerada saudável, esse custo de ocupação deveria girar entre 10 e 15%.
No entanto, em tempos de omnicanalidade, o cenário começa a mudar. Afinal, se existe algum consenso entre varejistas e shoppings, tanto aqui quanto lá fora, é o de que o papel da loja já não é o mesmo. Aliás, justiça seja feita: bem antes da pandemia já se falava da loja como ponto de experiências, capaz de oferecer serviços, relacionamento, educação e muito mais. De lá para cá essa ideia ganhou mais adeptos, e a loja física acumulou novas funções.
Quatro anos atrás, Fred Trajano, CEO do Magazine Luiza, anunciou planos para transformar progressivamente suas lojas em “shoppable distribution centers” (centros de distribuição onde é possível fazer compras). Segundo ele, seus espaços comerciais seriam lugares onde as pessoas poderiam retirar artigos comprados online (store pick up) ou de onde partiriam para entrega mercadorias adquiridas no e-commerce da empresa (ship from store). Além disso, os consumidores poderiam também comprar produtos na loja, que seria muito mais do que um simples ponto de venda.
Dito e feito. Ano passado, o e-commerce do Magalu representou 65% das vendas totais da empresa e 45% desses pedidos passaram pela loja em dezembro, seja por meio do ship from store, seja pela retirada em loja. Para se ter ideia da importância desses números, basta lembrar que, no final do ano passado, Roberto Fulcherberguer, CEO da Via Varejo, declarou que o custo da entrega a partir de uma loja física pode cortar pela metade as despesas de logística. A conclusão é que a loja física, no caso do Magazine Luiza, já proporciona resultados expressivos que vão além das vendas realizadas ali.
A utilização de ferramentas digitais para empoderar as equipes de loja é outra novidade que vem sendo adotada por um número crescente de varejistas brasileiros. No caso da Arezzo&Co, incluídas aí todas as suas marcas, as receitas produzidas por esse arsenal digital nas mãos dos vendedores, que aliás agora são chamados de consultores digitais, chegou a 26% do sell out nas lojas físicas da Arezzo e a 44% nas lojas da Reserva no quarto trimestre de 2020. Estamos falando de estratégias e aplicativos que permitem que as equipes acionem a base de clientes para fazer vendas virtuais impulsionando o resultado das lojas e elevando incrivelmente a produtividade dos funcionários. Na Arezzo&Co, a loja tornou-se uma espécie de quartel general de um exército de vendas treinado para trabalhar de forma integrada o físico e o digital.
As lojas serão ainda espaços de relacionamento e serviços. A Raia Drogasil vem trabalhando na transformação de sua rede de drogarias tradicionais no que a companhia chama internamente de “nova farmácia”, um ponto de prestação de serviços de saúde na loja, integrado com venda de produtos nos ambientes físico e virtual. A Centauro, por sua vez, inaugurou na Avenida Paulista, em São Paulo, uma loja conceito onde os clientes podem usufruir de serviços de reparos em bicicleta a um estúdio para gravação de vídeos e podcasts. Em ambos os casos, o valor da loja não pode ser definido somente em função dos produtos adquiridos no local.
Os exemplos de novas utilizações das áreas e equipes de loja em favor das estratégias omnichannel do varejo brasileiro são intermináveis, do já famoso “Me chama no Zap”, das Casas Bahia, às sessões de live commerce do Grupo Soma, passando pelo Fashion Delivery da Renner, que organiza e populariza a velha tática de enviar ofertas selecionadas para a casa dos clientes, baseadas nas suas preferências registradas no database do grupo.
Com tudo isso acontecendo ao mesmo tempo, somado aos efeitos da pandemia, é natural que o debate sobre o valor pago pelos varejistas pelo aluguel de suas lojas esteja aquecido. Na verdade, o pano de fundo de toda essa discussão é a evolução no modelo de negócios de ambos os lados, varejistas e shopping centers. Aos poucos, porém, os centros comerciais começam a compreender a importância de apoiar, e não se opor, ao avanço do digital. O próximo passo nesse processo será repensar o cálculo do ROI da loja. E, para agregar ainda mais valor ao que recebem, precisarão desenvolver e oferecer aos lojistas novos produtos e serviços, que estejam em sintonia com os movimentos de integração omnichannel.
Definitivamente o modelo de aluguel condicionado à venda do lojista, que inclusive é defendido por muitos varejistas como sendo o método mais justo para remunerar os shopping centers, faz muito pouco sentido na omniera. Por outro lado, os shoppings, com honrosas exceções, ainda possuem um cardápio muito restrito de soluções capazes de apoiar seus lojistas nas tarefas essenciais de ampliar base de clientes, usar as lojas como centros de distribuição avançados, reduzindo custos na última milha, explorar as lojas como canais de mídia de suas marcas, conquistar novos consumidores e integrar serviços às suas operações.
Acredito, no entanto, que será apenas uma questão de tempo. Em breve os shopping centers passarão definitivamente para o próximo nível, deixando para trás o DNA de negócio imobiliário para oferecer uma vasta gama de serviços para marcas e indivíduos, cobrando por isso um valor correspondente à capacidade de geração de negócios para empresas de diferentes segmentos. Nesse momento, poucos lembrarão que a remuneração dos shoppings foi um dia chamada de “aluguel”.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
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