Os empresários e a sociedade civil devem se unir para combater a fome e o desperdício de alimentos no Brasil. Esse é o pedido de lideranças da cadeia alimentar e de organizações não-governamentais que comprovaram, por meio de estudo, a volta do crescimento da fome no País, principal produtor de alimentos no mundo.
“Grande parte do que é produzido no mundo se perde na cadeia, entre a colheita e o consumo. Precisamos nos conscientizar de que podemos fazer alguma coisa para diminuir a fome no Brasil e no mundo. Vamos combater a fome, combatendo o desperdício”, disse o empresário Abilio Diniz, atual presidente do Conselho de Administração da Península Participações e membro dos Conselhos de Administração do Grupo Carrefour e do Carrefour Brasil. O apelo foi feito no painel “Fome e Abundância: Incoerência Brasileira”, no Latam Retail Show de 2021.
Segundo parâmetros da FAO e do IBGE, insegurança alimentar leve é quando a pessoa tem dúvida ou incerteza se terá alimentos nas próximas refeições. Insegurança alimentar moderada é quando a pessoa não tem uma das refeições e insegurança alimentar grave é quando a pessoa não come algumas das refeições e quando afeta criança. De acordo com a ONU, fome é a insegurança alimentar grave.
A Integration Consulting fez um mapeamento para entender toda a cadeia de geração de alimentos no Brasil com base em dois pilares: o tamanho da fome e do desperdício. O mapeamento mostra que 55% da população brasileira, 116,9 milhões de pessoas, tiveram algum grau de insegurança alimentar em 2020. Dessas, 19,1 milhões passaram fome.
Segundo a sócia da Integration, Andrea Aun, isso significa que a fome voltou fortemente ao cenário após alcançar o menor nível dos últimos anos em 2013, quando 7,2 milhões de pessoas passavam fome, ou 3,6% da população. Em 2018, havia 10,3 milhões de brasileiros com fome, ou 5% da população. “A pandemia agravou a situação, mas não foi a responsável pela volta da fome”, explica Andrea.
O que explica o aumento da fome
Para Ricardo Henriques, economista e superintendente-executivo do Instituto Unibanco, “o Brasil retorna ao mapa da fome ao produzir uma agenda de recuo frente à democracia e à sua sensibilidade diante dos mais vulneráveis. A combinação da crise econômica e da crise sanitária, agravada pela crise política, produz uma descontinuidade, em última instância, rupturas com políticas públicas consolidadas, sólidas em termos de evidências empíricas e, consistentemente, dedicadas aos mais vulneráveis. É a combinação da descontinuidade da política pública para o lado social associada à insensibilidade dos mais vulneráveis nesse contexto de crise que faz com que o Brasil retorne ao mapa da fome”.
Andrea explica que a fome está espalhada por todo o Brasil. Nos Estados de São Paulo, Bahia, Maranhão estão 32% das 19,1 milhões de pessoas com fome. A fome está relacionada à pobreza e ao desemprego. São 24,5 milhões de brasileiros que vivem com menos de R$ 275 per capita por mês.
O perfil de quem passa fome
O estudo mostra, ainda, que 76% das pessoas que passam forme são negros. Das 16,1 milhões de pessoas que vivem em favela, 11, 5 milhões passaram fome no ano passado. Das 44,2 milhões de crianças de todo o País, 4,9 milhões sentiram fome.
A produção agrícola no Brasil é de mais de 1 bilhão de toneladas por ano. Mesmo tendo essa ampla produção, os brasileiros passam fome. Isso é explicado, segundo Andrea, por alguns fatores: só 15% dessa produção é de alimentos que vai para a dieta dos brasileiros. Alimentos como carne, frutas, hortaliças, laticínios, arroz, batata. Os outros 85% são compostos por soja, milho e açúcar.
Dentro desses 15%, há desperdício de 30% na cadeia alimentar. Andrea afirma que, se houvesse redução de 10% desse desperdício, seria possível garantir 1 kg de alimentos por dia para cada um dos 19,1 milhões de brasileiros que passam fome. No varejo alimentar, a perda de alimentos representa de 1,5% a 3% do faturamento. Em 2020, 30% das perdas nos supermercados ocorreram por perda de validade. Isso representou R$ 2,2 bilhões.
O estudo mostra que as famílias brasileiras desperdiçam, em média, 128,8 Kg de alimentos anualmente, o que representa cerca de 41,6 Kg per capita. “Com certeza uma ação e um combate desse desperdício vão minimizar a fome”, afirma.
Mobilização de ONGs e empresas
ONGs como CUFA, Gerando Falcões e Gastromotiva, e empresas da cadeia alimentar, como BRF e indústrias do foodservice já têm se mobilizado nessa luta contra a fome e desperdício. “O Brasil precisa de uma agenda longo prazo, mudanças sociais e esperança, pois ela não vai cair como meteoros nas favelas. Ela é construída. Os líderes precisam se levantar e se movimentar contra a pobreza”, afirma Edu Lyra, fundador e CEO da Gerando Falcões.
“Temos que compartilhar riqueza produzida no Brasil, fortalecer a inclusão das pessoas e mobilizar a sociedade para combater a fome”, disse Preto Zezé, presidente nacional da CUFA (Central Única das Favelas).
Cristina Souza, sócia-fundadora e CEO do Gouvêa Foodservice, explica que a indústria vem investindo para reduzir o desperdício nos seus processos e criado usos ou destinação específica para produtos que podem ser reaproveitados. “O desafio da cadeia alimentar está no controle da qualidade do transporte, no controle do tempo, desafio de tráfego em grandes cidades. O operador é o elo mais frágil, pois sofre com a previsibilidade. Então, é importante desenhar processos desde a entrada da matéria-prima até o serviço ao cliente. Medir e agir diariamente é o que vai fazer diminuir o desperdício de alimentos no setor de foodservice”, diz
“Na BRF, trabalhamos em parceria com ONGs que fazem o aproveitamento total dos alimentos”, informa Grazielle Parenti, vice-presidente de sustentabilidade e relações institucionais.
David Hertz, presidente e CEO da Gastromotiva, explica que a organização trabalha a multidisciplinaridade da gastronomia para mitigar a desigualdade social e lutar contra o desperdício do alimento e a valorização do pequeno produtor. “Mobilizamos redes nas comunidades para mitigar a fome e evitar o desperdício dos alimentos”, diz.
Imagem: Envato