Não há dúvida de que o futuro é figital (mistura de físico e digital). E que, por isso, os shopping centers precisarão ter uma presença digital significativa para emplacarem a ideia de serem plataformas de conexão entre consumidores e vendedores. No entanto, as certezas acabam por aí.
Qual é o modelo ideal para a participação dos shoppings no varejo online, considerando a forte concorrência de jogadores como Mercado Livre, Americanas, Amazon, Magalu e Via, entre outros? Os marketplaces, que muitos centros comerciais colocaram no ar, em geral, são parecidos demais, tanto no visual quanto no modelo de negócio, com seus competidores mais poderosos. Além disso, os investimentos são pesados e o retorno é incerto.
No entanto, um novo território começa a ganhar espaço, oferecendo oportunidades interessantes para os shoppings levarem para o mundo virtual as suas melhores características. Estou falando do metaverso.
Ainda não sabe ou entendeu direito que troço é esse? Okay, eu tento explicar.
O metaverso é um espaço tridimensional, gerado por computador, que reproduz uma realidade paralela onde as pessoas podem virtualmente interagir umas com as outras. É como se fosse uma extensão das nossas vidas físicas em um universo digital, como definiu o ótimo documento publicado pela Wunderman Thompson sobre o assunto.
A expressão foi criada em 1992 pelo americano Neal Stephenson, que escreveu uma novela de ficção científica chamada “Snow Crash”. O livro conta a história de um entregador de pizza que vive mergulhado no metaverso, um mundo simulado onde as pessoas, por meio de seus avatares, podem viver como quiserem, sem o controle de ninguém.
Nessa altura do campeonato você já deve ter percebido que estamos prestes a ganhar uma alternativa ao território livre da internet, certo? A principal diferença entre os dois universos é que na internet normalmente postamos e consumimos conteúdo estático e nos relacionamos de maneira assíncrona. O metaverso permite que as pessoas interajam em uma realidade alternativa, em tempo real, com outras pessoas, lugares e coisas. Como escreveu a jornalista Gabriela Del Carmen, na Forbes, o Metaverso recria a experiência física no ambiente digital, possibilitando relacionamentos que são, ao mesmo tempo, online e off-line.
O início dessa jornada tem sido protagonizado pelos games, que estão tornando-se lugares onde jogadoras e jogadores podem se encontrar e socializar. Durante a pandemia, abrigaram ainda eventos virtuais, como o show do Travis Scott, promovido em abril de 2020 pelo Fortnite, que alcançou 40 milhões de visualizações. Ou a apresentação de Lil Nas X, que levou 33 milhões de fãs ao Roblox. Olha essa. Em 2019, quando perguntado se o Fortnite era um jogo ou plataforma social, Tim Sweeney, fundador da Epic Games, respondeu: “é um jogo, mas por favor me pergunte isso novamente em 12 meses”.
De fato, o ambiente e a linguagem dos jogos têm sido adaptados para outras funções, com o apoio de novas e impressionantes tecnologias. Hoje as pessoas estão comprando terrenos em empreendimentos virtuais, como Upland, Decentraland e The Sandbox, com dinheiro de verdade. Participando, por meio de seus avatares, de eventos, como o SwSW. E investindo em viagens virtuais, não apenas visitando lugares distantes sem sair de casa, mas também voltando no tempo: que tal passear no Antigo Egito ou na Londres dos anos 70?
Naturalmente, o varejo não ficaria de fora dessa revolução. Balenciaga lançou sua coleção de outono de 2021 em um jogo, chamado Afterworld: The Age of Tomorrow. Gucci criou uma pop up store virtual, a Gucci Garden, onde o teto era aberto, borboletas voavam soltas e flores cresciam nas cabeças dos manequins. Experiências quase impossíveis de serem reproduzidas numa loja de verdade. Marcas como Burberry, Tumi, Fendi e Lancôme já fizeram incursões no metaverso. Mas nem só de luxo vive essa nova vertente do comércio virtual: o McDonald’s brasileiro já abriu uma versão do Méqui 1.000 dentro do Minecraft.
Agora eu pergunto: no mundo físico, qual espaço é conhecido por reunir marcas, entretenimento, socialização e serviços? Pois é, shopping centers. Por isso, nada mais natural do que a atuação digital dos shoppings passar pela recriação do mall no metaverso. Quando não pudermos, por qualquer motivo, ir lá pessoalmente, temos a opção de marcar um encontro virtual com a galera, como já fazemos nos games. Com a diferença que será possível assistirmos juntos a um filme, aulas de gastronomia ou shows de música, saboreando petiscos e bebidas que o delivery terá entregado em nossas casas.
Isso faz mais sentido do que investir em um marketplace? Em tese, sim. Afinal, criar ilhas utópicas virtuais significa reforçar o conceito que fez com que os shopping centers caíssem no gosto dos latino-americanos. Mas atenção: a ideia não é renunciar às vendas online e sim oferecer um lugar onde compras, socialização e diversão possam conviver, proporcionando experiências incríveis para consumidores. Exatamente como deve ser no mundo real.
Por isso tudo, anota aí: metaverso é um tema para entrar na agenda dos shopping centers muito em breve. É bom ficar de olho.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
Este artigo foi publicado originalmente na Mercado&Consumo em 14 de outubro de 2021.
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