A continuidade da alta da taxa básica de juros (Selic) prevista pelo mercado para os próximos meses vai frear o movimento de recuperação da atividade econômica e dos empregos verificada nos últimos meses.
É um remédio amargo, mas necessário, na visão de economistas. “O juro mais alto gera uma desaceleração da economia no curto prazo, mas, se o Banco Central (BC) for bem-sucedido em controlar a inflação, vai favorecer o crescimento da economia no longo prazo”, diz Mauricio Oreng, superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander.
A sequência da alta dos juros, em princípio até outubro, é a única alternativa para que o BC consiga levar a inflação para perto da meta em 2024. Neste ano já é quase certo que não será possível e, para alguns economistas, também será difícil no próximo.
O Santander prevê para este ano inflação de 7,9%, caindo a 5,7% no próximo e a 3% em 2024. As taxas de juros projetadas para esses anos são, respectivamente, 14,25%, 12% e 9%.
Juro real
A expectativa é de que o ciclo de alta termine a partir de outubro e que a taxa de 14,25% se mantenha até meados de 2023, para então começar a cair. Para o consumidor, com a Selic nesse patamar o juro real deve ficar na casa dos 9% a 10% ao ano, mas esse efeito não é imediato. Hoje está em 8%.
O economista Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria, ressalta que o ajuste “fatalmente vai contribuir com o esfriamento da atividade econômica” – que teve desempenho no primeiro semestre acima do esperado.
Ele acrescenta que “o BC não pode ficar esperando a inflação cair por conta própria e vai continuar posicionando a Selic em um patamar contracionista”.
Para Campos Neto, boa parte da inflação é resultante de um movimento externo global e é importante que outros bancos centrais também estejam nesse processo de aperto monetário.
Câmbio
Apesar de o aumento dos juros internacionais exportar inflação para o Brasil via câmbio, o aperto vai ajudar o Brasil ao atacar a origem da pressões inflacionárias, que é o fato de a demanda mundial estar correndo acima da oferta, analisa o economista da Tendências.
“A desaceleração da demanda global vai derrubar os preços das commodities e de outros produtos, e é o que precisa de fato ser feito para combater a alta da inflação”, diz Lucas Vilela, economista do Credit Suisse.
Ele ressalta que, no Brasil, a inflação de curto prazo deve cair com a medida que reduz impostos sobre os combustíveis, mas vai piorar muito o cenário para 2023 se medidas como as que estão sendo adotadas agora não forem adotadas pelo BC.
Para 2023, o Credit Suisse estima redução de 300 pontos-base da Selic, que terminaria o ano em 11,25%.
Mercado revê previsões
O mercado passou a rever suas apostas para a evolução da Selic, com a perspectiva de uma inflação mais alta do que o esperado em 2023 e de maior risco para a administração das contas públicas, depois da aprovação da PEC “Kamizake” – que aumentou o valor de benefícios como o Auxílio Brasil e criou outros em pleno ano eleitoral. O pacote vai custar R$ 41,2 bilhões, valor fora do teto de gastos.
Se antes a expectativa era de que a elevação da taxa básica de juros, hoje em 13,25% ao ano, já pudesse ser interrompida em agosto, agora bancos e consultorias avaliam que os aumentos devem prosseguir pelo menos até setembro ou outubro. Nesse cenário, a Selic poderia chegar a até 14,25%, segundo novas estimativas do mercado, voltando ao patamar de meados de 2016.
“Se deixar a inflação correr solta neste momento, há risco não só de uma disseminação de todos os preços da economia, mas de uma persistência dessa inflação alta ao longo de vários anos”, diz Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria.
Segundo ele, a previsão da Tendências é de alta da Selic de 0,5 ponto porcentual, em agosto, e 0,25 ponto em setembro, levando a taxa para 14%.
Já o Credit Suisse estima elevação de 0,5 ponto porcentual em agosto e mais duas altas de 0,25 ponto em setembro e outubro, para 14,25%. Mesma previsão tem o Santander, mas com duas altas seguidas de 0,5 ponto nas reuniões do Copom tanto no próximo mês quanto no seguinte.
O quadro não é exclusivo do Brasil. Lucas Vilela, economista do Credit Suisse, frisa que bancos globais trabalham com taxas mais altas de juros nos EUA e na Zona do Euro, que tentam lidar com uma inflação recorde.
Com informações de Estadão Conteúdo (Cleide Silva).
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