De saída, um alerta. Esse artigo foi escrito antes de qualquer resultado divulgado do primeiro turno das eleições presidenciais e não tem e não pode ter nenhuma conotação político-partidária.
Tudo bem no ano que vem foi a tradução do título do filme de 1978 “Same Time Next Year”, que conta a história de um casal que se reencontra todos os anos no mesmo fim de semana. E com a nossa realidade tem a ver com a visão positiva para o próximo ano, quase sempre neste período no início do último trimestre.
No nosso caso envolve mais diretamente um sentimento que, ao que tudo indica, é a perspectiva e independe de qual seja o resultado mais imediato das eleições de primeiro e, eventualmente, de segundo turno no Brasil. Parece estar contratado um período mais positivo para o país no mínimo no próximo ano e desde que não atrapalhemos o curso natural das coisas.
Mas fica outro alerta de que é preciso muita isenção político-partidária e um olhar mais abrangente para considerar os pontos aqui colocados.
Essa perspectiva a que nos referimos como mais positiva à frente depende mais dos problemas econômicos e financeiros de regiões relevantes no mundo e menos de nossas próprias virtudes e escolhas.
Os sensíveis problemas que envolvem a Europa, combinando inflação elevada, situação crítica no tema energia e combustíveis e a perspectiva de baixo crescimento econômico com o cenário político agravado por conta da crise Rússia-Ucrânia, criam uma perspectiva sombria para a região com baixa confiança empresarial e dos consumidores e inevitável retração de investimentos e do consumo. Para falar o mínimo.
Na Ásia o cenário é agravado pelo baixo crescimento econômico da China, motor do desenvolvimento naquela área, espalhando consequências em muitos países da região. A exceção relevante é a Índia, que tende a crescer em seu protagonismo econômico e político naquela geografia e no mundo.
Nos Estados Unidos está configurado quadro recessivo, com aumento das taxas de juros e seus impactos no mercado imobiliário, nas finanças, no consumo, no varejo e no emprego, o que sinaliza um período de fortes reajustes em relação aos anos anteriores, contaminando seus vizinhos México e Canadá, que serão também impactados.
Na América Latina as instabilidades políticas combinadas com menor crescimento econômico e inflação elevada em alguns casos também criam um cenário de menor atratividade e insegurança, com alguns riscos políticos associados.
Enquanto isso, no Brasil, apesar de aspectos crônicos envolvendo sustentabilidade, desigualdade social, insegurança, derrapagens na educação e na saúde, temos um quadro comparativamente melhor, balizado pela queda da inflação, perspectiva de redução das elevadas taxas de juros, baixa no número de desempregados, ou subempregados, ausência de maiores problemas ligados à energia e abastecimento de combustíveis e alimentos.
Quando analisados numa perspectiva geoeconômica e temporal, são fatores de atração de investimentos externo, ao mesmo tempo que geradores de aumento da confiança interna e dos investimentos na expansão de negócios de forma geral, em especial no consumo, nos serviços e no varejo.
Tudo isso está, de certa forma, quase que contratado e assinado e de alguma forma independente dos resultados das eleições. Mas seria quase inconsequente, nesse momento crítico, um comentário dessa natureza. E seria temerário, pois poderia sinalizar qualquer forma de conivência com temas estruturais sensíveis que devem ser endereçados, trabalhados e equacionados, como reforma administrativa, tributária, aperfeiçoamento dos temas trabalhistas e o repensar estratégico da Educação, da Segurança e da Saúde.
Mas não devemos usar a necessária cautela para nos omitirmos no entendimento dessa perspectiva positiva à frente, que será um legado a ser administrado por quem quer que seja eleito, até porque parece claro o encaminhamento da composição de um Congresso que tenderá a manter seu caráter conservador e com baixo nível de renovação, conquistado pelo artifício da distribuição de verbas e recursos dos fundos partidários e mais os mecanismos de alocação de investimentos regionais orientados pelos congressistas.
No vetor mais prático, os projetos anunciados por varejistas, fornecedores de produtos e empresas atuantes nas áreas de consumo e serviços parecem sinalizar uma disposição efetiva de investir na retomada contratada da economia e no crescimento do mercado.
E isso tudo pode ser ainda melhorado pela continuidade e potencial aumento do investimento direto externo que estará em busca de oportunidades em regiões menos sujeitas aos desafios de curto, médio e longo prazo.
Com toda a necessária cautela que momentos como esse exigem, dá para apostar que tudo bem no ano que vem. E apostas positivas dessa natureza contribuem para transformar perspectiva em realidade. E vice-versa.
Sem, porém, último alerta, se iludir com as aparências que possam inibir uma visão crítica da realidade e refrear nosso melhor instinto reformador ou inovador.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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