Responder essa pergunta hoje é fácil. Todos querem ser a Netflix. Muitos nem lembram direito da Blockbuster, com seu logo azul e amarelo, as lojas repletas de filmes incríveis e aquela pipoca, que ficava pronta em 3 minutos no forno de micro-ondas, novidade na época.
Muitas empresas que postergam a decisão de evoluir estão, na verdade, diante do mesmo dilema: tomar o rumo da Blockbuster ou o da Netflix? Ambas as empresas passaram por esse convite intenso a uma transição dolorosa, mas necessária. Cada uma abraçou um caminho diferente.
Para quem não sabe do que estou falando, aqui vai um resumo. A Blockbuster foi um gigante que dominou o negócio de locação de filmes, chegando a contar com mais de 4.800 lojas, apenas nos Estados Unidos. No Brasil, no auge, somou 127 lojas. Mas não soube reagir à chegada de um novo concorrente, que começou enviando DVDs para a casa das pessoas e logo passou a distribuir os filmes por streaming. O nome deste concorrente? Netflix.
Em 2018, a Blockbuster fechou duas das suas últimas lojas, que ficavam no Alaska. Com isso, resta agora uma única unidade, na cidade de Bent, no estado americano do Oregon. O local virou atração turística, por abrigar “a última Blockbuster da face da Terra”. O rápido e impressionante declínio da Blockbuster não deve ser esquecido. É uma mensagem poderosa sobre os perigos que corremos em tempos tão voláteis.
Não são poucos os segmentos que vivem esse mesmo desafio. Pense nos jornais, agências publicitárias, redes de exibição de cinema, varejo físico e shoppings centers. No entanto, nem todo alarme indica a chegada do fim do mundo. Há quem ouça os sinais e entenda que é hora de fazer diferente. Foi assim com a Netflix.
A companhia, fundada em 1997 por Reed Hastings e Marc Randolph, percebeu logo que a internet produziria mudanças profundas em diversos setores, inclusive no de locação de DVDs.
Em 1999, enquanto a Blockbuster investia em uma ampla rede de lojas físicas, todo o catálogo da Netflix podia ser consultado e filmes podiam ser alugados pela web. Pouco tempo depois, a empresa apostou no modelo de assinatura, turbinado por um sistema de recomendações baseado nos gostos dos clientes.
A Netflix dobrou a aposta no digital em 2007, lançando o serviço de streaming, em uma época em que a velocidade de conexão era limitada. Cerca de 1.000 títulos foram disponibilizados inicialmente – no site havia mais de 70 mil filmes disponíveis para locação em DVD. Inicialmente os assinantes precisavam baixar um aplicativo e podiam assistir 18 horas de vídeos. Um ano depois, a quantidade de vídeos já era ilimitada.
“Batizamos nossa empresa de Netflix, em 1998, porque acreditávamos que a internet representava o futuro, primeiro como um meio de melhorar a seleção e o serviço de aluguel de DVDs e depois como um meio de entrega de filmes”, disse o CEO, Reed Hastings, na época. “Embora a exibição de filmes online ainda deva levar alguns anos para se disseminar, devido a obstáculos de conteúdo e tecnologia, esse é o momento certo para a Netflix dar o primeiro passo”.
A aposta valeu a pena: no final do ano passado, a companhia chegou a US$ 8,8 bilhões em receitas e uma base de 260 milhões de assinantes, espalhados em mais de 190 países.
O que nem todo mundo sabe é que a Blockbuster teve a chance de comprar uma participação na Netflix, em 2000. “Os executivos da Blockbuster riram de nós”, contou Marc Randolph em seu livro “Isso nunca vai funcionar: O nascimento da Netflix e a incrível vida de uma ideia, contada pelo seu cofundador e primeiro CEO”, publicado em 2019. John Antioco, então CEO da Blockbuster, rejeitou a oferta porque avaliou que a Netflix era um negócio de nicho e provavelmente seria mais uma das empresas infladas pela “bolha da internet”, que marcou o final dos anos 90.
Randolph defende a tese de que a lição crucial a ser aprendida com a experiência, algo que a Blockbuster percebeu tarde demais, é a importância da auto-disrupção. Se as empresas não estiverem dispostas a desafiar a si mesmas, sempre haverá alguém disposto a fazê-lo.
A ideia da auto-disrupção não é nova. O economista austríaco Joseph Schumpeter criou, na década de 40, o conceito da “destruição criativa”. Há mais de 80 anos, ele já preconizava que novas criações e inovações surgem em ondas e destroem o que está estabelecido, com uma força incontrolável.
Na prática, isso significa que, se a evolução é inevitável, é melhor que a própria empresa protagonize o processo de canibalização dos negócios no curto prazo, do que permitir que um concorrente o faça. A Blockbuster teve a oportunidade e falhou.
Vários negócios, os shopping centers entre eles, estão diante de um momento decisivo. Contemplam uma janela de tempo em que podem promover a destruição criativa controlada para evoluir o conceito e o modelo de negócio. Ou simplesmente fazer mais do mesmo.
E você? Quem quer ser quando crescer? Blockbuster ou Netflix? 😉
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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