Não é um, nem dois. Vários amigos, daqueles que sabem valorizar o intangível, trocaram o uso habitual de seus relógios Rolex, Vacheron, Jaeger Le Coultre, Panerai, Breitling, Hublot, TAG Heuer, Omega e outros, por prosaicos Apple Watch. E não pretendem voltar atrás. Algumas das esposas também.
Vários deles eram colecionadores de relógios de marcas e como tal compravam e ganhavam essas peças raras em momentos especiais, como aniversários, homenagens profissional ou de amigos, bodas de casamento, etc.
Quase todos mantém suas coleções muito bem guardadas e se perguntam o que fazer com esse ativo, pois é assim que raciocinam, já que para consulta de horas, cronômetro, temperatura, previsão do tempo, intercomunicação, nível de stress, batimento cardíaco e muito mais informação, estão usando seus Apple Watches e se sentem plenamente satisfeitos com essa troca.
Do passado em que relógios de estimação eram passados de geração para geração, pouco ou absolutamente nada restou.
Tremendo desafio para a indústria relojoeira mais tradicional que busca alternativas para lançar relógios integrados digitais, como a Montblanc, para criar opções. Mas é a cronica de uma lenta morte anunciada.
É verdade que em grandes cidades a questão de segurança já era um estímulo forte o suficiente para restringir o uso dessas peças apenas para ocasiões muito especiais e bastante protegidas.
Da mesma forma muitas câmeras fotográficas, Nikon, Canon, Sony, Zeiss ou outras, foram substituídas por celulares que insistem em se tornarem cada vez melhores, mais práticos e interativos, permitindo compartilhamento imediato e ampliando a satisfação e repercussão do que é menorizado. Não se fotografa mais. Se memoriza.
Lembro que num passado distante, por curtição fotográfica, costumava viajar com até 22 quilos de equipamento fotográfico, incluindo duas câmeras (uma com filme P&B, para fotos mais dramáticas, outra com filme colorido), bolsas, diversas lentes, com diferentes tamanhos e definições, filtros, cabos e até tripé, praticamente hoje tudo substituído por um celular multifunção que permite ajustes, correções e compartilhamento imediatos.
São apenas dois dos inúmeros exemplos do processo de transformação do sociedade, do mercado e do comportamento das pessoas associados à evolução e incorporação do digital na nossa vida.
Com isso mudaram negócios, produtos, serviços, canais de distribuição, referências das marcas e, acima de tudo hábitos e comportamentos, que se tornam, de forma geral, mais despojados, mais imediatistas, demandando mais conveniência, acesso, amigabilidade e facilidade, traços mais comuns dos nativos digitais mas que se espalham para todos os outros segmentos e faixas etárias.
Nessa reconfiguração generalizada muitos outros comportamentos e hábitos estarão em profunda transformação nos próximos anos, reflexos das mesmas causas, o que deveria ser um estímulo permanente para a busca de novas alternativas antes que a realidade nos trague.
O exercício da inovação, a partir da projeção da realidade emergente, deveria ser permanente.
* Imagem reprodução