“Não só o varejo, mas também a indústria nacional, em especial de vestuário e itens de consumo de baixo valor, estão sendo mantidos em banho-maria, com perda de investimentos e vendas, gerando prejuízos pela inaceitável protelação de medidas que restabeleçam a equidade competitiva e tributária no mercado.”
O tema é recorrente e a ausência de decisão e atitude do governo tem gerado perda de investimentos, vendas, salários e emprego por manter uma situação inaceitável de desigualdade competitiva, prejudicando de forma direta empresas varejistas e a indústria de consumo de itens de baixo valor unitário, em benefício de produtores e varejistas internacionais que podem vender no mercado brasileiro sem pagar Imposto de Importação.
Só para resgatar a origem do tema.
Já existia um mecanismo que autorizava a importação de itens de baixo valor – de até US$ 50 – sem pagamento de impostos, no espírito de que seriam produtos enviados por pessoas físicas para pessoas físicas como presente ou algo similar.
A expansão e evolução inevitáveis do e-commerce em âmbito global por meio dos marketplaces e do chamado cross border fizeram crescer de forma dramática o volume de entrada desses produtos no mercado brasileiro, só que de maneira diferente do espírito da concessão.
Empresas sediadas no exterior passaram a promover a venda de produtos de consumo de baixo valor no mercado brasileiro, com toda a força de sua reconhecida competência operacional e investimentos promocionais, sem pagamento de qualquer tipo de imposto.
Para complicar ainda mais, a ausência de um efetivo controle na fiscalização de entrada desses produtos fez com que o teto de US$ 50 fosse sistematicamente burlado, pois o sistema conseguia monitorar apenas 2% do que entrava.
Como resultado, o apelo de produtos vindos do exterior com baixo valor e com o benefício da isenção fez explodir as vendas em várias categorias, em especial no vestuário.
Alertado, o governo acordou e se comprometeu a fechar a máquina de inequidade competitiva.
No meio do processo, porém, o próprio governo foi internamente convencido pelo apelo populista de que dar acesso a produtos com preços mais baixos tinha forte adesão da população e recuou de sua intenção de taxar de forma equivalente essa concessão.
Como resultado, definiu novos processos com o programa Remessa Conforme e estabeleceu a cobrança de um ICMS de 17%, tendo se comprometido com o setor de varejo a taxar também com o Imposto de Importação tão logo o sistema da Receita Federal estivesse operacional.
Ocorre que o tempo está passando e nada acontece, enquanto o duto de inequidade continua aberto e estimulando os que estavam operando de maneira formal a poderem também se ajustar para terem um mínimo de condições de concorrer.
É isso mesmo.
O governo está estimulando que mais empresas que operavam de maneira formal e recolhiam os impostos no País revejam sua estratégia e passem a operar aproveitando-se da brecha criada.
Não será estranho que em pouco tempo mais empresas abram filiais no Paraguai, por exemplo, e passem a trazer produtos produzidos na Ásia, com custos mais baixos, dentro da regra do Remessa Conforme, pagando apenas o ICMS e sem pagar taxas de importação.
Isso valerá para todas as categorias possíveis e limitado aos US$ 50, o que representa a esmagadora maioria de compras feitas no país.
A consequência direta e objetiva é que o varejo nacional diretamente afetado está deixando de vender, fechando lojas, reduzindo quadros e protelando investimentos. Funcionários dessas empresas estão deixando de receber comissões sobre vendas e reduzindo seus ganhos.
A indústria nacional desses produtos está deixando de produzir, reduzindo quadros e baixando a encomenda de matérias-primas e insumos, gerando consequências em toda a cadeia de valor.
Indústria e varejo nacionais, vendendo menos, recolherão menos impostos e outro setores, segmentos e categorias terão que pagar mais para fechar a conta dos gastos públicos.
Mas é verdade que os desempregados e funcionários com ganhos reduzidos poderão comprar produtos mais baratos pela não taxação da importação. Está institucionalizada a miopia tributária populista.
Enquanto muito se conversa e nada se impõe, diversos setores estão perdendo vitalidade e o varejo e a indústria estão sendo mantidos em banho-maria. O País segue orientado pela miopia do apelo popular de curto prazo destruidor do futuro.
Bom para a próxima eleição e inconsequente com a Nação.
Vale refletir.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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