Friedrich Nietzsche certa vez perguntou se a linguagem poderia expressar plenamente a verdade: “Será suficiente para capturar as complexidades do nosso mundo?” O que você responderia? Muitas vezes, usamos palavras e números sem entender completamente suas implicações e isso, naturalmente, erode a confiança e alimenta a ansiedade.
Tudo ficou muito superficial, volátil, efêmero e, pior, o conhecimento perdeu credibilidade. Não a informação, que nos chega a uma velocidade de 100.000 palavras por semana. Ou seja, lemos uma Bíblia por semana, em média.
Mas será que estamos prestando atenção e nos questionando sobre tudo o que lemos?
Será que paramos para pensar e refletir sobre aquela informação ou a forma como ela foi narrada, para acrescentar o mínimo de senso crítico e tentar formular sua própria análise?
A resposta é que não estamos. E esse contexto é preocupante do ponto de vista social e econômico. Trazendo para o lado das empresas e lideranças, é especialmente perigoso e frágil.
As palavras importam
Todos podemos concordar que ajudar os pobres é importante, mas no minuto em que você chama de Bolsa Família, o apoio cai significativamente. Longe de fazer avaliações políticas, mas apenas para relatar que há poder nas palavras que escolhemos, e elas moldam a nossa compreensão.
Quando lemos notícias de que 56% dos brasileiros têm dificuldade em “fechar o mês”, somos levados a pensar que esses estão com dificuldades de pagar suas contas básicas. Mas será que é isso mesmo? Muitos já interpretarão como um sinal de economia fraca, mas e se essas pessoas, depois de pagarem pelo plano de saúde, pelo entretenimento, pela cara escola dos filhos, não possuem reservas para poupar? Essa confusão decorre de definições diferentes e dados duvidosos.
Nas nossas empresas sempre estão avançando em alguma direção. Os dados de 2023 mostram que em muitos setores, não foi exatamente ótima, mas também não foi terrível. Contamos com uma mistura confusa de métricas para pintar o quadro. Esses indicadores, embora úteis, muitas vezes, pintam uma história incompleta ou até mesmo enganosa.
Essa desconexão, causada pela narrativa da liderança misturada com o excesso de informação que recebemos, tem efeitos nocivos em nosso modo de pensar e agir, com medo permanente, divisão, baixa autoestima.
E quando as lideranças estão sob esse contexto, o processo de tomada de decisão é totalmente influenciado e enviesado de fora para dentro, com distorções abissais da realidade.
A necessidade do caos
Na NRF Retail’s Big Show deste ano, em Nova York, um estudo da Kantar cunhou um termo que resume bem o que estamos sentindo, o permacrisis. Ou seja, estamos permanentemente imersos em crises, criando uma para sair da outra, o que causa um nível de ansiedade e estresse sem precedentes nas pessoas, sejam elas líderes, liderados, consumidores ou clientes. Parece que se você está prestando atenção ao noticiário, é obrigado a ficar ansioso. Esse é o contexto que está moldando o comportamento do consumidor.
A internet e a mídia alimentam esse fogo ao compartilhar implacavelmente histórias negativas. Notícias ruins geram cliques, isso é antigo, e quanto mais cliques, mais dinheiro. É claro que as pessoas vão se sentir mal se a negatividade for tudo o que consomem. São bilhões de reais investidos todos os anos para captar sua atenção e te distrair, mas não como entretenimento, e sim para manipular ações.
As histórias que contamos
A linguagem molda nossas experiências. E as histórias que contamos a nós mesmos criam nossas realidades. Silêncio e reflexão são onde o crescimento acontece, mas em um mundo de barulho constante e distração, ambos são luxos. A mídia social nos dá a ilusão de conexão e, ao mesmo tempo, alimenta nossa ansiedade. Nós comparamos, nos desesperamos e nos desligamos.
Olhem o quadro abaixo que resume bem a “evolução” comportamental ao longo das safras culturais geracionais.
Nossa experiência de tempo se deformou. Estamos presos em um ciclo de nostalgia, ansiando por um passado mais simples e pensando num futuro melhor, que nunca chega. Enquanto isso, a tecnologia e a mídia social nos impulsionam implacavelmente para frente. Isso cria uma sensação de instabilidade. E nosso cérebro não lida bem com a instabilidade, com o novo, com o desconhecido.
Costumo dizer que perdemos a noção do tempo. Passado, presente e futuro já não são mais como estávamos acostumados. O que é passado para você? Pré-pandemia é passado, ou muito antes disso? Há um ano não se falava quase de Inteligência Artificial e hoje falar disso parece batido, parece passado, enquanto devemos já falar como vamos aproveitar a tecnologia nos nossos negócios e na nossa vida.
É nesse contexto que líderes de hoje precisam tomar decisões que impactam pessoas e organizações.
Confiança, ou falta dela
Essa desorientação gera desconfiança – nas instituições, umas nas outras, na própria informação e uns nos outros. Nos transformamos em céticos, constantemente questionando a realidade, buscando agendas oculta, e isso torna quase impossível encontrar um terreno comum. Somos bombardeados com barulho disfarçado de notícia, sendo constantemente comprados e vendidos.
Precisamos mudar a forma como recebemos, interpretamos dados, criamos as informações e as divulgamos para nossos times e liderados, focando em clareza e contexto, não em fomentar o medo. Também é crucial reconhecer as limitações da própria linguagem.
Talvez o mais importante seja construir comunidade, redescobrir a confiança e encontrar momentos de conexão genuína longe de telas e algoritmos. Parece simples, mas em um mundo construído sobre o isolamento, é um ato radical.
Quando dizem que a IA, por realizar para nós tarefas repetitivas e de pouca inspiração, vai nos liberar tempo para pensar, refletir, nos relacionar uns com os outros com mais proximidade, para que possamos pensar estrategicamente nos rumos dos nossos negócios, nas nossas características de liderança, eu ainda paro e penso se será mesmo essa realidade.
O fato é que o mundo mudou e muda o tempo todo. Continuará mudando.
Adianta ficarmos presos em nostalgia, ceticismos e narrativas negativas? Não.
Cabe a nós como indivíduos, líderes ou futuros líderes, ter consistência no processo de adaptação, do fato de desaprender para reaprender a aprender, afinal uma liderança mais bem informada, tomando decisões mais conscientes, terá mais capacidade para conduzir e guiar pessoas e empresas a passar pela era mais volátil, efêmera e insegura que vivemos até então.
Fabio Aloi é sócio-diretor da One Friedman.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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