Tudo bem no ano que vem

Momentum nº 984

Tudo bem no ano que vem

De saída, um alerta. Esse artigo foi escrito antes de qualquer resultado divulgado do primeiro turno das eleições presidenciais e não tem e não pode ter nenhuma conotação político-partidária.
Tudo bem no ano que vem foi a tradução do título do filme de 1978 “Same Time Next Year”, que conta a história de um casal que se reencontra todos os anos no mesmo fim de semana. E com a nossa realidade tem a ver com a visão positiva para o próximo ano, quase sempre neste período no início do último trimestre.

No nosso caso envolve mais diretamente um sentimento que, ao que tudo indica, é a perspectiva e independe de qual seja o resultado mais imediato das eleições de primeiro e, eventualmente, de segundo turno no Brasil. Parece estar contratado um período mais positivo para o país no mínimo no próximo ano e desde que não atrapalhemos o curso natural das coisas.

Mas fica outro alerta de que é preciso muita isenção político-partidária e um olhar mais abrangente para considerar os pontos aqui colocados.

Essa perspectiva a que nos referimos como mais positiva à frente depende mais dos problemas econômicos e financeiros de regiões relevantes no mundo e menos por nossas próprias virtudes e escolhas.

Os sensíveis problemas que envolvem a Europa, combinando inflação elevada, situação crítica no tema energia e combustíveis e a perspectiva de baixo crescimento econômico com o cenário político agravado por conta da crise Rússia-Ucrânia, criam uma perspectiva sombria para a região com baixa confiança empresarial e dos consumidores e inevitável retração de investimentos e do consumo. Para falar o mínimo.

Na Ásia o cenário é agravado pelo baixo crescimento econômico da China, motor do desenvolvimento naquela área, espalhando consequências em muitos países da região. A exceção relevante é a Índia, que tende a crescer em seu protagonismo econômico e político naquela geografia e no mundo.

Nos Estados Unidos está configurado quadro recessivo, com aumento das taxas de juros e seus impactos no mercado imobiliário, nas finanças, no consumo, no varejo e no emprego, o que sinaliza um período de fortes reajustes em relação aos anos anteriores, contaminando seus vizinhos México e Canadá, que serão também impactados.

Na América Latina as instabilidades políticas combinadas com menor crescimento econômico e inflação elevada em alguns casos também criam um cenário de menor atratividade e insegurança, com alguns riscos políticos associados.

Enquanto isso, no Brasil, apesar de aspectos crônicos envolvendo sustentabilidade, desigualdade social, insegurança, derrapagens na educação e na saúde, temos um quadro comparativamente melhor, balizado pela queda da inflação, perspectiva de redução das elevadas taxas de juros, baixa no número de desempregados, ou subempregados, ausência de maiores problemas ligados à energia e abastecimento de combustíveis e alimentos.

Quando analisados numa perspectiva geoeconômica e temporal, são fatores de atração de investimentos externo, ao mesmo tempo que geradores de aumento da confiança interna e dos investimentos na expansão de negócios de forma geral, em especial no consumo, nos serviços e no varejo.

Tudo isso está, de certa forma, quase que contratado e assinado e de alguma forma independente dos resultados das eleições. Mas seria quase inconsequente, nesse momento crítico, um comentário dessa natureza. E seria temerário, pois poderia sinalizar qualquer forma de conivência com temas estruturais sensíveis que devem ser endereçados, trabalhados e equacionados, como reforma administrativa, tributária, aperfeiçoamento dos temas trabalhistas e o repensar estratégico da Educação, da Segurança e da Saúde.

Mas não devemos usar a necessária cautela para nos omitirmos no entendimento dessa perspectiva positiva à frente, que será um legado a ser administrado por quem quer que seja eleito, até porque parece claro o encaminhamento da composição de um Congresso que tenderá a manter seu caráter conservador e com baixo nível de renovação, conquistado pelo artifício da distribuição de verbas e recursos dos fundos partidários e mais os mecanismos de alocação de investimentos regionais orientados pelos congressistas.

No vetor mais prático, os projetos anunciados por varejistas, fornecedores de produtos e empresas atuantes nas áreas de consumo e serviços parecem sinalizar uma disposição efetiva de investir na retomada contratada da economia e no crescimento do mercado.

E isso tudo pode ser ainda melhorado pela continuidade e potencial aumento do investimento direto externo que estará em busca de oportunidades em regiões menos sujeitas aos desafios de curto, médio e longo prazo.

Com toda a necessária cautela que momentos como esse exigem, dá para apostar que tudo bem no ano que vem. E apostas positivas dessa natureza contribuem para transformar perspectiva em realidade. E vice-versa.

Sem, porém, último alerta, se iludir com as aparências que possam inibir uma visão crítica da realidade e refrear nosso melhor instinto reformador ou inovador.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
Imagem: Shutterstock

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