Afinal, haverá espaço para as livrarias físicas num mundo cada vez mais conectado, virtual e digital? As anunciadas debilidades financeiras que nossas maiores livrarias estão atravessando – Saraiva, Cultura, FNAC e Laselva, estas duas últimas já encerraram as atividades – passa a impressão ao público em geral de que as livrarias estão com os dias contados e as redes que “sobraram” é apenas uma questão de tempo, fazendo uma analogia com as finadas videolocadoras que desapareceram com o aparecimento das novas tecnologias.
Os livros físicos ainda ganham de lavada na preferência com os e-books. Para se ter uma ideia, eles correspondem a uma fatia ínfima do mercado brasileiro: em 2017, representaram apenas 1,9% do total de vendas. No mercado americano, os e-books têm sofrido quedas sucessivas nas vendas em comparação com os livros físicos, mas este ano devem estacionar suas vendas no patamar de 20% do total do mercado, segundo previsão de especialistas. Esta “resistência” do consumidor talvez se dê porque a experiência de pegar um livro, olhar e sentir sua textura, sua capa, suas páginas, sentir o cheiro do papel, ainda são únicas. O livro físico carrega uma magia que os e-books não conseguem passar. Aqui no Brasil pesa também a questão econômica. Os e-books ainda não são economicamente acessíveis para a maior parte da população.
Isto posto, as livrarias ganham fôlego extra. Porém, existe uma necessidade veemente de repensar o modelo de loja atual. Reinventar a livraria passa por repensá-la como um espaço cultural, com a lógica do encontro e da surpresa que a internet não pode proporcionar. O futuro das livrarias privilegiará explorar a “experiência do cliente”, oferecendo um atendimento mais especializado, seleção de títulos com curadoria e promoção de eventos mais culturais. Tudo isto integrado à conveniência digital (omnichannel) na prática, ou seja, oferecer aos clientes não apenas uma grande gama de opções de canais de compra, mas também a possibilidade de transitar livremente entre os mundos da Internet e da loja física, com pouco ou nenhum obstáculo.
Dois exemplos de redes de livrarias podem indicar o futuro formato das livrarias e merecem serem acompanhadas de perto:
Uma delas é a Livraria da Travessa que na contramão do mercado, prepara a inauguração de mais duas unidades para o próximo mês de março. Com nove livrarias no Rio de Janeiro e em São Paulo, a rede tem apenas 14% de suas vendas concentradas na internet. De capital fechado, a rede de origem carioca projeta faturamento bruto de R$ 78 milhões em 2018, um aumento de 15% em relação a 2017. A nova filial de São Paulo será no bairro da Vila Madalena, e terá apenas 180m² (ante a média de 600m² das outras filiais). O investimento será de 1 milhão de reais. O estoque será menos abrangente que das outras lojas e terá foco em livros. Um deque, na frente da casa, poderá receber eventos de pequeno porte, como saraus e shows, que dialoguem com o universo literário e com o espírito boêmio-intelectual do bairro.
A outra rede para ficarmos de olho é a Amazon Books, a rede de livrarias da maior varejista digital do planeta, responsável pela quebra de milhares de lojas tradicionais e de livrarias, que ironicamente está montando uma rede de… lojas físicas para vender livros! Já são 17 filiais abertas nas principais cidades americanas. A expansão da Amazon na vida real está no cerne da estratégia atual da companhia, que tem aberto não só livrarias, como também o Amazon Go, rede de supermercados autônomos onde o consumidor faz compras sem passar no caixa e a aquisição da rede de supermercados orgânicos e produtos naturais, Whole Foods.
As lojas possuem um acervo com cerca de 3.000 títulos (10% da oferta das megastores), os mais vendidos e os mais bem avaliados pelo site da Amazon. Na exposição dos livros (grande parte com exposição frontal, ao invés da lombar) é possível ver uma seleção com os mais populares no site, bem como uma seção especial com os melhores livros para crianças. A empresa focou todo o desenvolvimento do layout da loja física nas experiências e recomendações dos clientes da loja online. A Amazon Books se vende como aquilo que é: uma loja que vende livros, não exatamente uma livraria. A loja não te convida a ficar mais do que o necessário. Na realidade, tudo é feito para que o leitor saia de lá o mais rápido possível. Não há cadeiras, poltronas ou sofás; não há um café no canto, reservado para leituras despretensiosas; não há luzes mornas, próprias para folhear melhor as páginas. E os preços são mais atraentes para os que são assinantes do Amazon Prime, assinatura de serviços digitais da companhia. Com 10,99 dólares por mês, o cliente recebe descontos generosos, um prazo de entrega mais curto e tem acesso ao catálogo de vídeos da empresa.
A Livraria da Travessa e a Amazon Books aparentemente são dois modelos de negócios bastante distintos. Mas possuem alguns pontos de convergência. São eles:
– Ambas têm formato de loja compacto com área de 200m².
– Ambas trabalham apenas com a curva A de títulos (mais vendidos) em pronta entrega.
Diferentemente das megastores com suas imensas superfícies de lojas (e consequentemente custos operacionais mais altos) e estoque vasto (grande parte do acervo tem um giro de estoque muito baixo, comprometendo a rentabilidade das editoras).
No caso da Travessa, um modelo de negócio centrado na experiência de compras do leitor com pouca integração omni, onde se privilegia uma curadoria primorosa de títulos, customização, apelo local e forte atenção dos clientes. Quase uma livraria à moda antiga.
No caso da Amazon Books, um modelo de negócios totalmente integrado ao omnichannel, racionalizando os custos do estoque e privilegiando os livros com alto giro, oferecendo lojas com pouca experiência de compras ao cliente. Uma loja focada em vender livros.
Uma mescla destes dois modelos deverão definir os novos formatos das livrarias nos próximos anos. E isto é uma ótima notícia!
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