É fato que as mudanças provocadas pela pandemia deixaram marcas irreversíveis tanto nos modelos de negócios quanto nos hábitos de consumo em todo o mundo. Para abordar um único exemplo, a adoção do trabalho remoto desencadeou um movimento crescente daqueles que quiseram equipar melhor seus lares. Aqui, no Brasil, este comportamento foi observado por meio da recuperação na produção e nas vendas de eletrodomésticos portáteis e das linhas branca e marrom. Apenas entre janeiro e agosto do ano passado, o saldo foi 26% maior – quando comparado ao mesmo período de 2020.
No último ano, enquanto a linha marrom recuou 8%, a linha branca cresceu 21% e os eletroportáteis marcaram alta surpreendente de 39%. Diante de tal desempenho, e diversos indicativos setoriais, as perspectivas para este ano serão desafiadoras, considerando fatores políticos, sociais e econômicos.
A indústria brasileira de eletrodomésticos é caracterizada pela alta concentração de market share em multinacionais, favorecidas pelas atuais estruturas tarifárias e pelo perfil do consumidor local. Por outro lado, é relevante a presença de fabricantes nacionais, que podem ser assediadas por outras multinacionais que queiram entrar no país. De acordo com dados do IBGE, o país possui quase mil unidades produtivas, com maior concentração em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Apesar deste formato, ainda é baixa a participação brasileira em exportações – mercado hoje dominado por países como México, China e Eslováquia.
Pesquisa recentemente realizada pela KPMG identificou que os líderes do segmento estão investindo em conceitos da chamada Indústria 4.0, cujo objetivo principal seria a melhoria de produtividade e a redução de desperdícios. O levantamento apontou que a maior parte dos fabricantes está nas fases iniciais de maturidade do tema, aprimorando os processos de automação e robotização de processos, porém foram identificadas também empresas que já estão desenvolvendo produtos com tecnologia de comando por voz embarcada. Outro ponto importante abordado pelo estudo é a preocupação com a agenda ESG, da sigla em inglês para meio ambiente, social e governança. Essa atenção torna-se cada vez mais necessária para atender aos desafios causados por uma complexa cadeia de suprimentos e a necessidade de uma logística reversa eficiente.
Alguns fatores, no entanto, são considerados como desafiadores para o bom desempenho da indústria de eletrodomésticos. O primeiro deles, atrelado diretamente à flutuação cambial, é a dependência de matéria-prima importada – cada vez mais cara diante da valorização do dólar. O segundo, como consequência, é a escassez de insumos como aço, cobre, chips e microchips. A isso, somam-se mais duas complicações socioeconômicas: a queda na renda familiar e a alta da inflação.
Para o futuro, cabe aos líderes do setor de eletrodomésticos equilibrar a balança, identificando oportunidades para seguir evoluindo em desenvolvimento de produto, reduzindo gastos e buscando eficiência operacional. O crescimento da operação de comércio eletrônico e os modelos de venda direta ao consumidor, por exemplo, vão exigir a revisão dos modelos logísticos e tributários, visando não apenas a redução de custos e melhorias de margem, mas também o atendimento de excelência às expectativas de clientes com relação a prazos de entrega.
Aldo Macri é sócio-líder do segmento de bens de consumo da KPMG.
Imagem: Shutterstock