É verdade que nos últimos anos o crédito ao consumo, o crédito às famílias, teve crescimento quando comparado com sua participação no PIB. Os atuais 35% representam clara evolução quando se considera que em 2013 estava em 25%. Mas vale lembrar que nesse período a evolução do próprio PIB foi das mais baixas, como tem sido nos últimos dez anos. E não se pode negar que o crédito ao consumo no Brasil é escasso e muito caro e, portanto, limita seu uso como fator de crescimento econômico, como faz a China nesse momento.
O crescimento da carteira de crédito ao consumo no Brasil tem sido consistente ao longo dos últimos anos, tendo saltado de R$ 1.156 milhão em janeiro de 2013 para R$ 3.408 milhões em fevereiro 2023, uma expansão de quase 200% em dez anos, porém aquém do seu potencial estrutural.
Quando analisado comparativamente com o PIB, o atual patamar de 34,6% é o maior dos últimos dez anos, como se nota no gráfico abaixo, com dados do Banco Central.
A questão é que esse percentual é dos mais baixos quando comparado com outros países. No Canadá esse indicador é de 103,2%, na Inglaterra 84,5%, na França 66,5%, na Alemanha 55,7%, na Holanda 97,2%, na Austrália 113,6%, na Espanha 54,3%, na China 61,2%, nos Estados Unidos 75,2% e no Chile 45,5%. Ou seja, em tese, haveria espaço significativo para expansão do crédito ao consumo.
Não se pode negar a correlação direta que existe entre nível de desenvolvimento econômico e percentual do crédito ao consumo em relação ao PIB, já que a média dos países emergentes é de 45,7%, ainda assim, dez pontos percentuais acima do que que temos atualmente no Brasil.
Uma elevação desse percentual, desde que de forma saudável, permitiria aumento do consumo, estímulo ao crescimento industrial e geração de renda e emprego no varejo e em todos os setores direta ou indiretamente ligados ao consumo.
É fato que tivemos nos momentos recentes uma evolução preocupante da inadimplência das pessoas físicas, como mostram os dados do Banco Central, mas olhando numa perspectiva de mais longo prazo, os atuais patamares já foram maiores e ao longo do tempo foram se ajustando pelo conjunto de ações do próprio varejo e de todo o sistema financeiro.
As razões estratégicas que explicam esse baixo percentual do crédito ao consumo comparativamente com outros países envolvem alguns fatores. As elevadas taxas de juros, o nosso sistema tributário, a estrutura de renda e emprego do país, a percepção de riscos associados, as questões de garantias e processos de cobrança e os próprios níveis de informalidade, que inibem a análise e concessão de crédito para uma parcela relevante do mercado de baixa renda, principalmente, tudo isso retratado nas políticas de “score” adotadas pelas empresas concedentes de crédito.
Não se pode negar que, momentaneamente, todo esse quadro está ainda mais influenciado pelo atual nível de taxas de juros num cenário de pressão inflacionária e por questões envolvendo algumas empresas varejistas, cujo caso mais eloquente é o das Americanas, que criaram uma situação de extrema cautela e aversão a risco, tornando a situação ainda mais séria.
Existe um grande potencial de crescimento do consumo com forte impacto na renda e no emprego no Brasil pela expansão do crédito às famílias que não tem sido atacado de forma estrutural. E nem integrando os setores potencial e diretamente envolvidos como o próprio varejo, de forma ampla em seus diversos modelos de negócio, canais, categorias e formatos de lojas, além do sistema financeiro, os agentes ligados a essas modalidades de crédito e o governo.
Esse pode ser o momento adequado para uma mobilização ampla, liderada pelo setor empresarial ligado ao varejo e consumo, para a busca de soluções estruturais que permitam ao Brasil uma evolução saudável e transformadora na questão do crédito às famílias.
No evento Digitail, focado em inovação e evolução do e-commerce e que acontece nos dias 18 e 19 de abril no Vilagio JK, o tema do crédito e seus impactos nesse canal será detalhado. E novas alternativas serão analisadas.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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