Chefs de cozinha prometem revolucionar a indústria de alimentos

Consumo consciente, sustentabilidade, alimentação saudável e “do campo à mesa” são algumas das máximas que orbitam os desejos do consumidor quando o tema é o cuidado com a sua alimentação. Mas esses mesmos consumidores sentem-se perdidos e pressionados ao fazer suas escolhas. E, ano a ano, crescem os números de sobrepeso e obesidade no Brasil. Segundo a ABESO, 55,7% da população brasileira está acima do peso ideal.

Chefs de cozinha seguem cada vez mais indignados, empoderados e atuantes para tentar mudar a alimentação do brasileiro. A figura do artista dá espaço à do empresário que busca sócios, apoio técnico e sua própria capacitação num processo que envolve a profissionalização e diversificação do seu modelo de negócios.

Esse movimento está levando os chefs a invadirem espaços da indústria, não somente com pequenos empórios ou delis, mas também no e-commerce e em gôndolas do varejo. Não, eles não são personagens de rótulos. São protagonistas! Iniciam a produção dentro das suas cozinhas, apoiam-se em nutricionistas do seu time ou consultores externos para assegurar o atendimento às normas técnicas e seguem lançando sobremesas, conservas, queijos, linhas de congelados, azeites temperados, produtos veganos e muito mais.

Um caso recente, amplamente divulgado, é o do La Guapa, cujo destaque são as empanadas. O empreendimento foi criado pela chef Paola Carossela, que divide a gestão com o empresário Benny Goldenberg. A produção começou pequena e segue com expansão em formato de loja, já com dez unidades inauguradas. Para ganhar eficiência, foi criada uma central de produção liderada pelo time da chef. As empanadas custam para o consumidor final R$ 8,30, portanto, extremamente acessíveis quando comparadas aos salgados tradicionais. Ainda não estão nas gôndolas do varejo, mas o produto está totalmente pronto caso desejem fazê-lo.

São inúmeros os exemplos a citar: Renato Caleffi, Telma Shiraishi, Rodrigo Oliveira, Alex Atala, Bel Coelho, Claude Troisgros, entre outros, cada um em um estágio diferente no lançamento de soluções prontas para o consumidor, mas todos sinalizando que pretendem democratizar o acesso à boa comida no Brasil. Até porque os mais afetados pelo excesso de peso na atualidade são pessoas das classes C e D, por consumirem em excesso alimentos ultraprocessados.

A indústria de alimentos deve se preocupar? Certamente a resposta é sim.

Dia 7 de outubro, foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) um novo modelo de rotulagem que alertará os consumidores sobre açúcar adicionado, gordura saturada e sódio, os vilões da saúde (doenças crônico-degenerativas) e da longevidade. A lei se aplica a praticamente todos os alimentos embalados e, a partir da publicação, as empresas terão 24 meses para se enquadrar nela.

Essa mudança na rotulagem deverá pressionar as indústrias a revisitarem seus portfólios de produtos e proporem modificações consistentes caso não queiram ser destaques negativos junto aos seus consumidores. Eles terão um período de adaptação para entendimento e interpretação dos rótulos, mas serão cada vez mais severos em suas escolhas quando aprofundarem seu conhecimento.

No passado recente, em eventos em que debatemos o lançamento de linhas com menos sódio e menos a açúcar, presenciamos discussões sobre o fato de o consumidor não aceitar mudanças na formulação. Parece que agora ele não só vai aceitar como vai pressionar pela mudança.

Algumas indústrias já iniciaram modificações e seguem em ritmo acelerado, especialmente as conectadas com os drivers de decisão dos consumidores das gerações Z e Y, que dia a dia demonstram maior sensibilidade às questões ligadas à sustentabilidade e à origem, além de serem mais abertos às novas experiências.

As escolas de gastronomia há algum tempo entenderam que a visão de negócio e gestão são tão importantes quanto a visão da técnica. E os chefs que já se promoveram a empresários entenderam que só farão parte da jornada da vida dos seus clientes se ampliarem seus modelos de atuação, e a semi ou a industrialização dos seus produtos lhes permitirá ir mais longe em termos de faturamento e realmente de impacto na vida das pessoas.

Mas e a indústria reposicionada a partir da visão dos chefs? É para já? Depois da Covid-19, o “já” se tornou algo extremamente relativo. Está claro que é fundamental acelerar o passo.

Parece que o consumidor vai levar a melhor nessa disputa.

Cristina Souza é CEO da Gouvêa Foodservice.

Imagem: reprodução

Sair da versão mobile