Diz-se que o primeiro shopping center concebido como se conhece hoje teria surgido nos Estados Unidos, há 60 anos, na cidade de Minnesota. O Southdale Center – que ainda existe – foi traçado por um socialista convicto, Victor Gruen (1903-1980), refugiado da Áustria ocupada pelos nazistas, que chegou ao território americano em 1938.
O conceito espalhou-se mundo afora nas décadas seguintes, tornou-se um dos símbolos do consumismo e foi acusado de esvaziar as tradicionais lojas de rua. Mas esses complexos cada vez maiores, mais numerosos e luxuosos têm perdido o apelo frente ao público nos anos mais recentes. Não é assim na China, um dos países onde eles mais são erguidos – e onde o velho modelo de shopping center começa a ser reinventado.
No país socialista “com características chinesas”, como as autoridades fazem questão de reiterar sempre que possível, há pelo menos 4 mil shoppings em funcionamento e outros 7 mil por inaugurar. Mas, se os números da Academia Chinesa de Ciências Sociais indicam expansão e bonança, a análise da própria entidade mostra que o cenário não é assim tão promissor.
A estimativa é a de que um terço desses estabelecimentos feche as portas nos próximos cinco anos. Especialistas responsabilizam o avanço do comércio eletrônico pelo esvaziamento das lojas, que parecem ser movimentadas apenas pelos numerosos funcionários (a China é um país de mão de obra considerada barata para padrões internacionais). Os 700 milhões de internautas chineses recém-contabilizados compram constantemente pela rede, onde encontram preços mais baixos do que dos grandes centros comerciais.
Na avenida Dong Da Qiao, no centro da capital chinesa, o belo prédio do Park View Green e as grandes esculturas nos arredores mostram que se trata de uma construção diferente dos shoppings de antigamente. Inaugurado em 2012, foi um dos primeiros a apresentar “uma nova experiência” para o consumidor e integra listas de guias para quem não conhece Pequim.
Os donos afirmam que o local redefine o conceito de shopping de luxo e de recreação. Prometem a “oportunidade de uma vivência artística de verdade”. Em exibição permanente, no interior do edifício e nos jardins, está a maior coleção privada de esculturas do espanhol Salvador Dalí (1904-1989) fora de Barcelona. O site oficial do shopping diz que “no Parkview Green, a arte não é remota e intocável, mas é um elemento em todo canto”. O uso de novas tecnologias e materiais especiais permite ao edifício gastar entre 60% e 80% de energia a menos do que outra construção equivalente.
“Para surpreender os consumidores, temos de oferecer coisas que eles não podem ter na vida cotidiana. Para atrair as pessoas ao shopping, temos de tentar entender quais são as necessidades que não podem ser atendidas pela internet”, diz Nate Chan, especialista em design de novas experiências de shoppings.
Foram esses motivos que levaram o grupo K11, pioneiro no segmento dos experimentos, a abrir seu primeiro shopping em 2009, em Hong Kong. A aceitação do público foi tamanha que em 2013 o grupo inaugurou outro em Xangai, hoje frequentado por uma média anual de 15 milhões de pessoas, quase três vezes mais do que o número de turistas estrangeiros recebidos pelo Brasil no ano passado.
O nome K11 deriva da filosofia da “coexistência do nada e da substância” – o grupo quer proporcionar experiências sensoriais para os visitantes. O museu de arte do shopping ocupa áreas diversas dos vários andares, com obras com as quais os clientes podem interagir. Parte de um dos andares oferece uma horta orgânica para que adultos e crianças experimentem algo que ainda não é muito frequente na China. Há ainda em exposição criação de bichos-da-seda (à venda), insetos importantes para a cultura chinesa. A apresentação das lojas busca inovar, enquanto a tradicional praça de alimentação já não existe mais. Explora-se ao máximo o espaço disponível para vários restaurantes exclusivos (e de redes também), que são espalhados por todos os andares.
“Há certas coisas, como jantar fora e ir ao cinema com amigos, que não se pode fazer pela internet. Oferecemos experiências como um estúdio de carpintaria profissional que disponha de equipamentos caros que ninguém tem em casa. Assim, podem tentar algo que nunca fizeram. E, ao fazer isso, podemos reunir um grupo de pessoas que têm interesses em comum e dar a ele uma razão para ir aos shoppings. Se eu tiver a oportunidade, quero criar uma espaço onde as pessoas possam ganhar dinheiro com seus hobbies e se comunicar ao mesmo tempo”, diz Chan.
Desde 2010, cerca de 20 shoppings fecharam as portas na China – outros 60 podem ter o mesmo fim, segundo a Green Street Advisors. A necessidade de atrair público para esses gigantescos centros comerciais tem dado asas à imaginação dos chineses, mas não sem controvérsias. O shopping Grandview Mall, em Guangzhou, na província de Guangdong, é o lar do “urso polar mais triste do mundo” e de outros 378 animais e insetos mantidos em um zoológico instalado no complexo.
“Do shopping ao cinema e aos legumes frescos no supermercado, Guangzhou tem sido uma importante fonte de inovação para o mercado comercial doméstico. O impacto da economia da internet em alguns shoppings e empresas tem causado a necessidade de transformações urgentes”, disse o vice-diretor da Comissão de Comércio de Guangzhou, Yang Yaong, à agência estatal Xinhua.
Resta saber quais serão os limites impostos pelas autoridades na China para minimizar as perdas já registradas pelos shopping centers no país. Segundo a rede de televisão estatal CCTV, mais de um terço dos varejistas viram seus lucros caírem mais da metade.