Certa vez, ouvi de um executivo que pensar fora da caixa era fácil e que o difícil era sair de dentro dela. E que a tarefa se tornava ainda mais complexa se o pensamento precisasse vir também de fora para dentro, centrando a estratégia e a atuação da marca nos desejos e necessidades dos clientes e não mais na visão interna das áreas de engenharia, produto e marketing.
Esse modelo mental pode parecer óbvio, mas acredite: planejar é mais fácil que operacionalizar. Por outro lado, a transformação digital facilitou e acelerou esse processo, como muitos outros nas relações entre marcas e clientes, abrindo espaço para quem pode investir recursos para que a experiência seja a melhor possível.
Movimentos como esses se abrem para pelo menos duas grandes avenidas. A primeira é tratar adequadamente todos os processos internos de relacionamento com os clientes, inserindo-os no centro de todas as decisões; e a segunda é repensar suas rotas de vendas criando canais diretos ao consumidor, conhecido por DTC (Direct To Consumer).
Dessa forma, a organização centrada no cliente ganha espaço e relevância dentro das empresas e se potencializa quando arrasta todas as áreas e processos para objetivos comuns. E, para ser centrado no cliente, é preciso gerenciar o relacionamento – CRM (Customer Relantionship Manager) – e seguir pelo menos quatro passos.
O primeiro passo é a identificação de cada cliente. Identificar o cliente significa conhecer sua identidade, a maneira de contato preferida, suas necessidades, interações realizadas com a empresa, suas reclamações e atitudes tomadas. Enfim, conhecer cada cliente e sua história individualmente.
O segundo passo é a diferenciação dos clientes. Com isso, saberemos com quais vale a pena desenvolver uma relação duradoura e de aprendizado. Nessa relação, o cliente participa ativamente com sugestões, reclamações e feedbacks. Com isso, as ações são orientadas pelas necessidades dos clientes e muitas vezes é possível se antecipar. É de fato um processo mental de pensar de fora para dentro. A partir do momento que diferenciamos nossos clientes de maior valor e maior potencial, partimos para o terceiro passo.
O terceiro passo é incentivar os clientes a interagirem com a empresa. É por meio dessa interação que conhecemos ainda mais e melhor os clientes. Assim, é possível desenvolver uma relação que permite a personalização de produto e serviços para que eles vejam vantagem em continuar. As duas estratégias, interação e diferenciação, caminham juntas, pois uma depende da outra.
Finalizando, temos o quarto passo, que é a personalização. Personalizar produtos e serviços a partir do conhecimento das necessidades dos clientes. A missão é fazer com que a experiência de fazer negócios com a empresa seja única. Quanto mais personalizada, maior valor agregado para o cliente.
Superado o desafio dos quatro passos, é hora de deixar o modelo processual suportado por Controles, Medições, Análises e Melhorias.
Diante de um cenário tão competitivo, as empresas que estiverem na vanguarda com tecnologias de ponta, processos sem atritos e cultura organizacional alinhada entre todos os pontos de contato com os clientes terão condições de alavancar o crescimento sustentado muito à frente de seus concorrentes.
Caso
Para ilustrar esse conceito, relembro uma história que ocorreu na década de 1960, quando a Nike criou a primeira loja da empresa na Califórnia, nos Estados Unidos. Nesta loja havia um funcionário que, além de apaixonado por corrida, era um leitor ávido. Então a loja tinha em suas prateleiras livros que ele achava que os corredores deveriam ler.
Sem que soubesse na época, o ponto de venda já era um ponto de experiência, informação e relacionamento. Mas o que mais chamava a atenção era que esse vendedor mantinha arquivos de cartões de cada cliente, incluindo dados como o tamanho dos tênis. E, de posse dessa informação preciosa, ele lhes enviava cartões de Natal e notas de felicitações se ganhassem uma grande corrida.
Ou seja: a gestão do relacionamento com os clientes já estava sendo praticada, ainda que de maneira informal. Mais do que isso, podemos observar nesta história a essência do relacionamento um para um (One To One), favorecendo sua estratégia de upsell, uma vez que o vendedor conhecia a fundo o comportamento de compra do seu cliente e certamente gerenciava bem o ticket médio de cada um.
Infelizmente, as dores do crescimento fizeram com que a Nike deixasse essa estratégia de lado por um tempo para ampliar sua capilaridade por meio de atacadistas e distribuidores e crescer mundo afora.
Porém, como tudo na vida é cíclico, e não seria diferente nas estratégias de marcas e no universo do consumo, a mesma Nike vem avançando nas duas avenidas que mencionei anteriormente: a do relacionamento com clientes por meio dos seus aplicativos e comunidades de esportes e a avenida do DTC, que já responde por aproximadamente 40% de suas receitas. E essa jornada está longe de acabar por conta do crescimento e atuação no digital. Se de um lado o número da comunidade (seguidores e membros) continua crescendo, do outro a participação das vendas online já atingiu a marca de 30%, antecipando uma meta que era de 2023.
Os benefícios do DTC
Na estratégia de canais diretos, a conexão com os consumidores é exponenciada por conta da ligação direta. E com essa conexão é possível transformar a própria cultura da organização, alimentando o ciclo de relacionamento por meio do “termômetro” em tempo real com o mercado de forma simples e estruturada e com menor investimento em mídia e pontos de experiências.
Se analisarmos sob a ótica da criação de novos modelos de negócio, o DTC melhora a rentabilidade no médio prazo e gera soluções que facilitam a vida dos consumidores, pois a empresa os conhece como nenhuma outra. A partir disso, ensina o consumidor a consumir e usar seus produtos de forma mais adequada e, sem dúvida, em linha com necessidades emergentes da comunicação (mídia social, serviços de mensagens e aplicativos) para aproximar produtores e consumidores.
Conclusão
Ouvir mais e mudar a forma de se relacionar com seus clientes e comercializar seus produtos ou serviços são o extrato deste artigo. E, para isso, é preciso se aproximar do cliente.
Não há como negar que as empresas DTC estão no centro das atenções agora. Mas isso não significa que o DTC seja uma moda passageira, como se fosse um estilo de roupa, e logo sairá de moda.
Esse desejo, por parte do consumidor, de um envolvimento mais personalizado e autêntico com as marcas com as quais faz negócios, definitivamente não é um modismo que logo irá desaparecer. A realidade é que a experiência do cliente está se tornando cada vez mais importante, a ponto de em breve ultrapassar preço e produto como principais atributos de decisão de compra.
DTC realmente vale a pena no curto e no longo prazo, desde que desponte da forma correta. Sua empresa pode prosperar e muito usando o modelo DTC agora, amanhã ou daqui a dez anos – contanto que use o modelo correto.
Nota: Se estiver interessado em um pouco mais de conteúdo sobre o tema, acesse este link.
Alexandre Machado é head de Consultoria da Gouvêa Consulting.
Imagem: Envato/Arte/Mercado&Consumo