“É solitário no topo.” Essa frase, tantas vezes repetida, ecoa com força no universo da liderança. No setor da moda brasileira, marcado por estruturas familiares e uma gestão frequentemente centralizada, essa solidão se torna ainda mais latente.
Uma pesquisa publicada pela Harvard Business Review revelou que 50% dos CEOs entrevistados se sentem isolados em seus cargos, e esse isolamento impacta negativamente o desempenho de 61% deles. Entre os que assumem a liderança pela primeira vez, a sensação de solidão chega a 70%.
No Brasil, um levantamento do Instituto Locomotiva com líderes de pequenas e médias empresas (PMEs) apontou que a sobrecarga e a solidão são os principais fatores para o aumento do cansaço e do estresse: 98% desses empreendedores são responsáveis pelas decisões estratégicas e 96% também executam tarefas operacionais, com uma média de atuação em quatro áreas simultaneamente.
A solidão do líder não é apenas uma questão emocional; ela impacta diretamente o negócio. Líderes isolados tendem a tomar decisões menos eficazes, perder sensibilidade sobre os movimentos do mercado e se desconectar de suas equipes, o que afeta diretamente a cultura organizacional e a capacidade de inovação.
Conectando-se para liderar melhor
A solução para essa solidão reside na conexão. Líderes que se apoiam em redes de confiança, compartilham experiências e constroem pontes com outros decisores tendem a ser mais assertivos, mais criativos e mais resilientes. Fóruns setoriais, grupos de mentoria, comunidades de negócios e encontros de líderes oferecem esse espaço seguro de troca, escuta e desenvolvimento.
No setor da moda, no qual criatividade, velocidade e reinvenção são competências críticas, essa conexão se torna ainda mais estratégica. Quando um líder compartilha seus desafios, não só encontra soluções, como também inspira e fortalece toda uma cadeia.
Não é à toa que movimentos colaborativos vêm crescendo no cenário global da moda. Um exemplo claro é o da Allbirds, marca americana de calçados sustentáveis. Seu cofundador, Tim Brown, defende que os desafios complexos, como a crise climática, não podem ser resolvidos isoladamente. A marca não só mantém redes de colaboração com líderes de outras empresas, como também desenvolveu, junto com a Adidas, um dos tênis de menor pegada de carbono do mundo, uma parceria que só foi possível graças à visão de que concorrentes podem e devem se unir diante de desafios coletivos.
Outro exemplo é o de Stella McCartney, que há anos lidera movimentos pela sustentabilidade na moda. Stella não atua isolada: ela constrói pontes constantes com cientistas, startups de biotecnologia, grupos de defesa ambiental e outros executivos da indústria. Sua atuação em fóruns como o Fashion Pact, que reúne CEOs das maiores marcas globais comprometidos com metas ambientais, evidencia como a liderança conectada não é apenas uma escolha, mas uma necessidade para quem quer transformar seu negócio e sua indústria.
Esses exemplos mostram que buscar apoio, construir alianças e se abrir ao diálogo com outros líderes não é sinal de fragilidade, mas, sim, de inteligência estratégica e visão de longo prazo.
De solidão a força coletiva
A jornada do líder e empreendedor não precisa — e não deve — ser solitária. Ao buscar conexões genuínas, é possível transformar o isolamento em colaboração, a dúvida em aprendizado e a solidão em força coletiva. No vibrante e desafiador setor da moda brasileira, essa conexão não é só bem-vinda; ela é um diferencial competitivo decisivo.
O líder que insiste em seguir só, guiado apenas pela própria bússola, corre o risco de se perder. Ou pior, de andar em círculos.
A verdadeira força está em quem adota uma atitude colaborativa: quem compartilha não só as boas práticas, mas também as vulnerabilidades; quem escuta e se permite ser escutado. É justamente nesses ambientes de trocas sinceras, entre pares, concorrentes, fornecedores, mentores e até entre gerações, que surgem as ideias que transformam, as parcerias que perduram e as estratégias que realmente movem a indústria para frente.
Liderar não precisa — e não deve — ser um ato de isolamento.
E você, como tem atuado fora da sua bolha?
Cecília Rapassi é sócia-diretora da Gouvêa Fashion Business.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagens: Criada por IA, Reprodução Adidas e Divulgaão/Stella McCartney