“A verdade é que 2023 é um ano para ser esquecido para o varejo pela conjugação perniciosa de fatores que comprometeu os resultados e o desempenho do setor derrubando o valor de mercado de quase todas as empresas de capital aberto e o cenário à frente, ainda que positivo não estimula grandes sonhos. Neste final de ano, os baixos valores das ações e o período sazonal com Black Friday e as festas estimulam alguma recuperação, mas que não resgatam a importância estratégica do setor no conjunto dos negócios. E persistem ameaças estruturais importantes”.
A recuperação dos salários reais, a queda do desemprego, a redução da inflação, a melhoria da confiança do consumidor e a leve retração nas taxas de juros não foram suficientes para alterar o quadro dominado pelo elevado endividamento familiar e a inadimplência, ambos ainda rescaldos do período da pandemia e que marcaram o comportamento do consumo ao longo do ano.
Para agravar o cenário os problemas pontuais de algumas redes varejistas espalharam uma percepção negativa sobre todo o setor e que ainda sofreu a concorrência predatória em várias categorias da venda de produtos importados que chegaram ao país beneficiados pela omissão dos sistemas oficiais de controle.
Esse conjunto de fatores, analisado com as lentes frias do sistema financeiro, determinaram um comportamento negativo das ações ao longo do ano das principais empresas com atuação no varejo, com exceção de apenas duas ligadas aos segmentos de saúde, beleza e bem estar, que têm apresentado, consistentemente, um desempenho bastante positivo.
A relevante queda da inflação, em especial nos alimentos para consumo domiciliar, aspecto dos mais positivos na confiança do consumidor, acabou não beneficiando o desempenho dos setores de supermercados, hipers, atacarejos e conveniência, ao mesmo tempo que a inflação mais alta nos alimentos preparados fora do lar, comprometeu percepções de desempenho na cadeia de foodservice.
E para completar o quadro negativo, o governo se envolvendo, de forma inadequada, em temas que dizem respeito às relações diretas entre varejistas e seus funcionários, tentando politizar o assunto dos trabalhos aos domingos e feriados. Sem falar na polêmica instaurada por iniciativa dos bancos com respeito ao parcelado sem juros, que caminha para uma solução positiva negociada com envolvimento de todas as partes olhando o que de fato é melhor para o “consumidor-cidadão”.
Sem falar também nas trapalhadas geradas pelo início de um novo governo que destinou tempo demais para criticar o governo passado ao invés de começar a governar.
Se 2023 merece ser de fato esquecido, o cenário à frente é bem mais positivo para o setor. A conjugação de menor inflação, a persistência da queda das taxas de juros, a contínua e consistente melhoria do emprego conjugada com o aumento da renda real gerando aumento da massa salarial e a redução do endividamento e da inadimplência devem contribuir para a melhoria da confiança do consumidor e com o aumento da oferta e barateamento do crédito.
Esses são os fatores decisivos que podem favorecer a melhoria do consumo e do varejo de forma geral. A ação mais direta do controle fiscal nas entradas de produtos vendidos pelo cross border com a devida taxação deve reduzir o quadro de inequidade competitiva que prevaleceu até agora. Em especial para categorias como moda, calçados e artigos de uso pessoal e para o lar. E a negociação do parcelado sem juros deve manter sua importância na economia em bases mais realistas. Isso no que envolve diretamente os estímulos ao consumo e seus reflexos no varejo.
Mas não pode ser ignorado que a Reforma Tributária, que poderá ser aprovada ainda este ano, já precipitou correções com reflexos nos preços dos produtos, portanto no consumo, por conta de ajustes nos ICMs, preventivamente, por vários Estados e que isso deverá se espalhar para muitos mais.
Assim como a indevida intromissão do Ministério do Trabalho, que apenas adiou a vigência da regulamentação proposta sobre envolvimento dos sindicatos no trabalho aos domingos e feriados.
De forma mais abrangente continuam preocupações estruturais envolvendo o Brasil, que adia uma inevitável Reforma Administrativa e faz a Tributária, organizando a economia para pagar a conta de um estado inchado, burocrático e ineficiente e que drena recursos de todos que pagam impostos para sustentar essa situação.
Outros temas tão relevantes como esses permanecem indefinidos, como os conflitos que envolvem os poderes constitucionais e a reversão ou atraso das ações que permitam um maior crescimento dos setores privados e empresariais, quando não as tentativas de reversão de ações liberalizantes do passado recente.
Se o horizonte de mais curto e médio prazo sinaliza melhorias para o consumo e o varejo, o mesmo não se pode dizer quando se pensa estrutural e estrategicamente a Nação.
E isso sem dúvida deveria ser motivo de profunda reflexão. E ação.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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