Na apuração feita pela Mosaiclab para o Instituto Foodservice Brasil (IFB) sobre o faturamento total do foodservice nacional anualizado (exclusivamente nas transações realizadas no elo de operadores), o crescimento foi de 1% em relação a 2022, com R$ 217,6 bilhões, contra R$ 216 bilhões no ano anterior.
O contexto é curioso porque temos um cenário de 7,4% de desemprego, uma das mais baixas taxas históricas; renda média de R$ 3.032, que não é alta, mas é a melhor dos últimos três trimestres de 2023; e o Bolsa Família, que irriga a economia com R$ 13 bilhões mensalmente. A confiança do consumidor está elevada, em 90,8 pontos, e temos uma inflação de alimentos preparados fora do lar de 4,97%.
A partir desse olhar, nosso time da Gouvêa Foodservice passou a analisar os pilares que podem ter influenciado a evasão do consumo da alimentação preparada fora do lar.
Alto endividamento
O Desenrola Brasil foi uma iniciativa do governo federal, que começou em 17 de julho de 2023 para ajudar a renegociação de dívidas da população, para auxiliar na redução do endividamento do País.
Somando as duas fases do Desenrola, R$ 29 bilhões em dívidas foram renegociadas, resultado da participação de 10,7 milhões de brasileiros que aderiram ao programa. Esse movimento impactou o segundo semestre do varejo e do consumo em 2023.
Claro que é positivo, porém, a famosa parcela do 13° terceiro ou valor residual mensal que a pessoa dispunha para consumo de delivery, bares, restaurante, entre outros, pode ter sido redirecionada.
Consumo de canais de streaming
De acordo com o estudo publicado pela Comscore, Netflix, Globoplay e Amazon Prime são os três streamings mais assistidos do Brasil, respectivamente.
A Netflix possui uma média de 50,6 milhões de usuários únicos por mês, contra 18,1 milhões do Globoplay e 14,6 milhões da Amazon Prime, sendo que alguns usuários são concomitantes em mais de uma rede. Estima-se que mais de 30% da população brasileira tenha algum tipo de assinatura de streaming.
Reaquecimento do mercado de entretenimento
A agenda de grandes turnês internacionais no Brasil, como Taylor Swift, Bruno Mars, Coldplay, somada à cena nacional e os festivais internacionais, como Lollapalooza e The Town, criaram um grande boom de recuperação do setor.
Segundo a PWC o mercado de entretenimento faturou U$ 32,8 bilhões, em 2022, e a previsão de fechamento em 2023 foi de U$ 35 bilhões, um crescimento 7%. Quando comparado com 2021, o crescimento foi de 13,7%.
Criação da cultura de apostas esportivas
Em 2020, tínhamos 51 empresas de apostas no Brasil. Já em 2023 chegamos a 308 empresas, que movimentaram R$ 120 bilhões. O público predominante é 58% masculino, sendo 45% da classe C e 40% das classes D e E.
A esperança da obtenção de um prêmio vultuoso em curto prazo captura a atenção e dispêndio dessa população. Somado à elevação dos custos de aluguel, água, luz e educação, oprime a renda para o consumo de alimentos preparados fora do lar.
Refeições congeladas x marmitas
Mundialmente, o perfil de consumo de refeições congeladas está concentrado nas classes trabalhadoras, o que não é diferente no Brasil. Em 2023, o setor cresceu 3%, o que, percentualmente, é melhor do que o cenário geral do foodservice, com 1%.
Um outro tema complexo de mapeamento é o consumo de marmitas, pois, geralmente, são preparadas por MEIs e vendidas de maneira menos formal e rastreável. Atualmente, as MEIs representam dois terços do número total de CNPJs de negócios de alimentação.
Outros fatores
O fenômeno da adesão ao a uso off-label (fora da recomendação da bula) do medicamento Ozempic, que tem sido indicado pela classe médica para dietas de emagrecimento. Um dos efeitos colaterais da semaglutida (ingrediente do Ozempic) é a perda de apetite. Aventa-se que, colateralmente, possa impactar o consumo de alimentos pessoas das classes B e A, tanto no varejo alimentar, quanto no foodservice.
Saudabilidade: cresce o número de pessoas buscando nutricionistas na busca de orientação saudável. Pessoas que não compram mais lanches para os filhos e aprendem a fazer bolos e sobremesas mais saudáveis, que evitam sair e convidam amigos na mesma vibe para eventos no final de semana com alimentação saudável. Talvez representem alguma pequena parcela também.
Outros gastos como Only Fans, Spotfy, além de consumo de produtos de saúde e beleza, que são setores que, juntos, cresceram 13,5% em 2023 podem ser “ladrões” do faturamento do segmento de alimentação preparada fora do lar.
Para 2024, as projeções da Gouvêa, no cenário mais otimista, é de um crescimento de 7%. Importante ressaltar que o tráfego foi de 11,6 bilhões de transações em 2023, contra 15 bilhões de transações em 2019, período pré-pandemia.
Em uma conta burra, por favor, não tomem como verdade, se tivéssemos o tráfego de 2019 com o ticket médio de 2023, teríamos mais de R$ 270 bilhões em faturamento nesse momento.
Pessoalmente, sou otimista, porém, o olhar estratégico em bases realistas é fundamental. Saber é poder. E a partir daí, encontrar novas formas de se aproximar e construir novas pontes com o consumidor.
Se eu puder adicionar uma dica, eu diria, aprofunde sua gestão, invista em promoções, ofertas limitadas, tecnologias e um atendimento inesquecível.
Nota: nos dias 13 e 14 de março promoveremos a 3ª edição do Foodservice Innovation Dive, um programa exclusivo para players do segmento de foodservice, em São Paulo, contemplando visitas e discussões sobre as melhores práticas do mercado. Conheça os bastidores do Empório Fasano, Carioca Foods, Vila Anália, e muito mais.
Cristina Souza é CEO da Gouvêa Foodservice.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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