Tão importante quanto tudo o que será apresentado e discutido durante a próxima NRF Show, em Nova York, é contextualizar o que tem acontecido no varejo no mundo e nos Estados Unidos, para que se tenha uma perspectiva correta do processo de transformação e de seus potenciais impactos no setor e nos negócios no Brasil.
Em nosso artigo anterior, tratamos de alguns temas macro que envolvem, entre outros assuntos, a desglobalização do varejo físico, o processo evolutivo e a participação dos diferentes canais, formatos e modelos de negócio no varejo norte-americano, além da principais vertentes macroeconômicas por lá que justificam o forte crescimento recente com seus desafios e oportunidades. Tratamos também como o crescente uso da IA está no meio de tudo do Ret’AI’l.
E agora, aprofundamos outros temas do setor de varejo e consumo para um melhor entendimento desse processo, numa visão mais abrangente, que estimula um repensar sobre seus impactos na realidade do Brasil.
1. No epicentro está o hiperempoderado omniconsumidor
O fato incontestável é que todo o processo de transformação observado no mundo tem sua maior motivação em tudo o que envolve o consumidor. Mas não o consumidor histórico, e sim o hiperempoderado omniconsumidor.
Com acesso amplo, intenso, atemporal e, principalmente, hiperinterativo, seus desejos, comportamentos, atitudes e decisões são influenciados e também influenciam tudo que nos cerca.
Os setores de varejo e consumo, em seus múltiplos canais, categorias, formatos de lojas e modelos de negócios, têm o privilégio estratégico de uma cultura, bases de informação, proximidade e relacionamento dessa conexão, muitas vezes estimulada por programas de fidelidade.
Isso tem estimulado, cada vez mais, que as marcas e fornecedores também desenvolvam canais exclusivos, como é o caso de P&G, Apple, Nestlé, Unilever e muitos outros, adensando a concorrência e a competição no setor.
2. Experiência x (Conveniência + Valor) = a revisão da equação de polarização
O hiperempoderado omniconsumidor foi decisivo na reconfiguração da multipolarização do varejo que envolvia experiência, valor e conveniência.
Os canais digitais combinam os vetores valor e conveniência com uma oferta mais atraente. A experiência tornou-se uma opção para os setores de luxo ou com maiores margens, que podem usar tecnologia, gente, design, efeitos e customização na busca da diferenciação.
As virtudes combinadas de valor e conveniência são, em boa parte, responsáveis pelo crescimento global da participação dos canais digitais nas vendas do varejo de produtos, serviços e soluções, por meio dos Ecossistemas de Negócios, tanto no mundo Ocidental como na Ásia.
A combinação de valor e conveniência nos canais digitais, como menores investimentos e complexidade operacional envolvidos, também estimula o avanço das marcas e fornecedores com canais diretos e, ao mesmo tempo, a desglobalização do varejo físico das corporações globais de varejo.
3. Metaexperiência para recompensar a proximidade física
O forte crescimento dos canais digitais na venda de produtos e serviços, que foi anabolizado durante a recente pandemia, reconfigurou a realidade dos canais físicos de vendas, como nas lojas. O caminho da diferenciação para gerar atração passa, cada vez mais, pela metaexperiência.
O conceito significa tudo aquilo que possa ser incorporado, direcionado, personalizado, plural, interativo, gratificante e intenso, que possa equilibrar a combinação de valor e conveniência dos canais digitais.
Exemplos globais são marcantes em lojas como Nike, Adidas e Tiffany, entre as mais tradicionais, mas muitos outros ocorrem no mundo devido à crescente inovação introduzida por novos players nos mais diferentes mercados.
4. O desafio magnificado envolvendo gente. Here, there and everywhere
Na busca da diferenciação e exclusividade, de um lado, ou na simples necessidade de atender o básico bem-feito, gente tornou-se o fator ainda mais crítico.
De um lado, para empoderar com recursos tecnológicos que possam tornar todo o processo mais eficaz, produtivo e envolvente. E, basicamente, mais humano em um cenário dominado pelo digital.
De outro, os setores de varejo e hospitalidade, ambos altamente dependentes de mão de obra, têm enfrentado um quadro dramático nas principais economias do mundo, incluindo Estados Unidos e Brasil. O problema tem sua origem na falta de interesse dada à intensidade de sua atividade e à constância da presença física.
Em um cenário que valoriza o home office, em especial para as novas gerações, os setores enfrentam dificuldades adicionais, que tendem a ser compensadas pelo aumento de remuneração e pela adoção da tecnologia como elementos de compensação. No entanto, geram aumentos de custos e investimentos, tornando o cenário ainda mais competitivo.
5. Mais serviços e soluções por absoluta contingência
É irreversível. Quanto mais madura uma sociedade ou economia, maiores serão os dispêndios com serviços e soluções.
O varejo entendeu que esse também pode ser o caminho para diferenciar, atrair e fidelizar consumidores e, como fator crítico, melhorar a rentabilidade, fugindo da comoditização da venda pura de produtos comparáveis.
Essa reconfiguração transformou redes como Nordstrom, Whole Foods, El Corte Inglés, Carrefour, Walgreens e Tesco no mundo ocidental; e Alibaba, JD, Hyundai, na Ásia-Pacífico; ou Magalu, aqui no Brasil, além de muitas mais pelo mundo, em ecossistemas de negócios que combinam varejo de produtos com mais serviços e soluções para ampliar o potencial de “share of wallet” dos novos consumidores.
6. Saúde, beleza e cuidados pessoais: o foco e atenção ampliados
Outro elemento emergente que redesenha o negócio do varejo é a crescente importância de tudo o que envolva saúde, beleza e cuidados pessoais. O principal fator determinante é o envelhecimento da população nas economias mais maduras.
Mas também tudo aquilo que envolve a atenção ao tema, precipitados pela pandemia recente, que gerou outras perspectivas em relação à vida. Esse fenômeno é claro nas Américas, na Europa e em alguns países da Ásia, e também aqui no Brasil, fazendo com que os segmentos e negócios que envolvam essas categorias estejam entre aqueles com maior e mais rápido crescimento.
7. A IA estará no meio de tudo no retail
Para viabilizar, transformar e diferenciar, é inevitável que a Inteligência Artificial esteja em absolutamente tudo o que possa ser necessário para melhorar e diferenciar a oferta, além de atender à necessidade de racionalizar, simplificar e reduzir custos.
8. As oportunidades e novidades dos meios de pagamentos emergentes
Como processo natural de evolução, combinando tecnologia, controle, facilidade e interação, vivemos um processo intenso de evolução nos meios de pagamentos. Começou na China com o We Pay e outras modalidades, e acontece na Índia, Coreia, Singapura e no Brasil com o Pix. Esse é um tema no qual Europa e Estados Unidos são seguidores de um processo global de mudança, com forte impacto nas estratégias, práticas, ameaças e oportunidades para o varejo.
9. Inflação condiciona e redireciona comportamentos
Herança recente gerada pela pandemia, a inflação tem sido fator determinante de preocupação e transformação no setor de varejo global, norte-americano e aqui no Brasil, mudando perspectivas e reforçando tudo que está relacionado com o valor.
Esse fenômeno ocorreu e ocorre nos Estados Unidos, Europa, América Latina e em alguns países da Ásia, e tem como resultado um comportamento mais racional e pragmático de compra impactando o desempenho de formatos, canais e marcas.
Em parte, explicando a ascenção e crescente participação de marcas como Uniqlo, Primark, e obrigando o reposicionamento de outras como Zara e H&M no cenário mais global.
10. A reconfiguração das demandas envolvendo sustentabilidade e meio ambiente
Esse é outro elemento em amplo processo de reconfiguração pós-pandemia, acelerado pelas atitudes e comportamentos das novas gerações, com forte impacto no varejo e consumo.
O binômio sustentabilidade e meio ambiente, para além do pregado no conceito ESG, vem gerando demandas e necessidades fundamentais de serem consideradas pelas empresas e negócios. E os fenômenos globais envolvendo tempo e temperatura aceleram e magnificam as preocupações com esses assuntos.
Mais do que fazer, é importante mostrar que faz e prestar contas para não ser discriminado, o que algumas redes de varejo e fornecedores de consumo têm feito e capitalizado, gerando novas e mais positivas percepções para suas marcas.
Esses elementos estarão entre aqueles presentes de diferentes formas ou ênfases em tudo aquilo que será acompanhado, discutido e conhecido nas próximas semanas, em diferentes perspectivas, profundidade e amplitude.
Isso torna esse momento particularmente importante para o repensar de negócios e estratégias em tudo que gravite em torno do hiperempoderado omniconsumidor global e local.
Vale muito a reflexão e a oxigenação propostas nessa imersão.
Notas.
- Acompanhe gratuitamente o Retail Executive Summit (RES), evento que realizaremos ao final da NRF para sintetizar os mais importantes aprendizados da edição deste ano. Será realizado no TikTok, em Nova York, no dia 15 de janeiro. Cadastre-se por aqui.
- De 8 a 15 de janeiro de 2025 estaremos em nossa 36ª missão da NRF Retail’s Big Show. Mais de 3800 líderes, executivos, dirigentes e profissionais dos setores de varejo, consumo, tecnologia e serviços já participaram em nossas delegações para o NRF Show e muitos outros em nossas Trade Missions para Inglaterra, Portugal, Espanha, Itália, México, Canadá, EUA, Israel, China, Coreia, Singapura e Índia.
- Os aprendizados sobre tudo que será visto e discutido nesta missão, traduzidos, aprofundados e comparados com a realidade brasileira, poderão ser vistos e acompanhados no Retail Trends – Pós NRF, no dia 28 de janeiro de 2025, em São Paulo, nas versões presencial e virtual, e pela cobertura especial que será feita pela plataforma Mercado&Consumo. Saiba mais por aqui.
- Em meados de março, estaremos novamente na China em missão técnica, que culminará com a realização do primeiro Asia-Latam Retail Show em Shangai.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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