A frase ‘trabalho é algo que você faz, não um lugar para onde você vai’ nunca foi tão atual. Dados levantados na segunda quinzena de junho pelo IBGE mostram que 42,5% das empresas em funcionamento no país adotaram o trabalho domiciliar para seus funcionários. Nenhuma surpresa nisso, afinal, com a quarentena decretada em tantas cidades, não havia mesmo alternativa. No entanto, estudos recentes revelam que o tal do home office pode ter vindo para ficar ao menos nas grandes capitais.
Pesquisa feita em cinco cidades (São Paulo, Rio, Porto Alegre, Recife e Salvador) pelo Instituto Travessia, para o jornal Valor Econômico, aponta que 67% dos brasileiros que fizeram home office durante a pandemia classificam a experiência como boa. Tem mais: 58% dos entrevistados gostariam de manter o sistema após a pandemia. Os entusiastas do trabalho remoto são principalmente homens e pessoas em faixas mais altas de renda. Já o grupo dos que ganham apenas dois salários mínimos por mês é o que menos apoia a ideia.
No entanto, mais interessante ainda do que a avaliação positiva do home office são as consequências desse movimento identificadas pela pesquisa, a começar pela intenção de redução do uso de automóveis, tanto próprio como os de aplicativos. Impressiona ainda a disposição de nada menos do que 47% dos entrevistados de até abrir mão de ter um carro após a pandemia, especialmente as mulheres e os mais jovens. Outros 10% pretendem comprar mais na internet e 22% vão aumentar a frequência de compras no bairro onde residem.
Muitas dessas possíveis mudanças de comportamento afetam diretamente os shopping centers, como a intenção de privilegiar o comércio do bairro e a diminuição do uso de carros, que impacta a ocupação dos estacionamentos. Há ainda outro ponto muito preocupante para os shoppings, que é a redução de idas dos trabalhadores aos escritórios, que pode significar também queda no fluxo de frequentadores dos empreendimentos localizados em pontos de concentração de empresas. Vale lembrar ainda que, segundo a ABRASCE, cerca de 23% dos shoppings no Brasil estão integrados a um condomínio empresarial.
Um exemplo mais evidente dos prejuízos que a adoção do home office, mesmo que apenas em alguns dias da semana, pode trazer para os shoppings está na alimentação. A pesquisa CREST, realizada pela área de inteligência da Gouvêa, demonstra claramente a correlação entre visitas ao foodservice e a presença de pessoas no ambiente de trabalho. Para se ter ideia, cerca de 80% das refeições realizadas fora de casa, em todo o país, foram consumidas por pessoas ativas no mercado de trabalho. Como afirma Vólia Simões, executiva responsável pelo estudo, ‘quem passa o dia longe de casa precisa também comer fora de casa’. Na medida em que as pessoas permanecem mais tempo em casa, essa dinâmica muda.
Outras consequências poderão ser sentidas em segmentos como o de moda, com queda nas vendas de roupas formais e aumento na procura por itens mais confortáveis, que vão se configurando como novo uniforme de trabalho no escritório domiciliar.
Fato é que tanto o fluxo em centros comerciais próximos a polos empresariais quanto o próprio mercado de locação de escritórios devem sofrer mudanças por conta do movimento que fortalece o trabalho remoto nas grandes cidades. Nos Estados Unidos, por exemplo, estima-se que cerca de 15% de todo o espaço locável para escritórios esteja desocupado. Esse percentual deve seguir crescendo, afinal, no segundo trimestre de 2020 as empresas americanas contrataram menos 53% de área de escritórios em comparação com o trimestre anterior. Seguiremos caminho semelhante no Brasil?
Isso não significa certamente o fim do espaço de trabalho corporativo, ou o ‘apocalipse dos escritórios’, como alguns estão batizando o fenômeno. Representa, isso sim, a evolução desses lugares, que podem tornar-se áreas de networking, interação, congraçamento e celebração da cultura das empresas. Neste cenário, as pessoas usariam menos vezes os escritórios, que não estariam necessariamente localizados nas mesmas regiões de antes. A nova sede da XP, que será erguida ao lado do Catarina Fashion Outlet, na Rodovia Castelo Branco, é um bom exemplo dessa transformação.
O avanço do home office é apenas mais um lance no intrincado jogo de reinvenção pelo qual os shopping centers terão que passar. A indústria de centros comerciais formou-se em torno do mantra do real estate, segundo o qual os três fatores críticos de sucesso de um empreendimento são ‘localização, localização e localização’. Porém, como previu a jornalista britânica Frances Cairncross, em 1997, a internet trouxe ‘a morte da distância’. A nova percepção de tempo e lugar, acentuada pelo tempo de quarentena que fomos obrigados a guardar, obriga o real estate a rever suas estratégias. E levará os shoppings a percorrer novos caminhos.
NOTA: A Gouvêa Malls é uma consultoria de negócios e soluções para uma nova geração de centros comerciais planejados. Estamos à sua disposição para conversar sobre reposicionamento de shopping centers e evolução das suas estratégias de negócio. Para marcar uma reunião entre em contato com comercial@gsmalls.com.br.
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