A explosão no começo de uma manhã de junho causou um incêndio que tomou uma loja na cidade de Nova York, repleta de bicicletas motorizadas com suas voláteis baterias de íon-lítio. A nuvem de fumaça matou rapidamente quatro pessoas que dormiam em apartamentos acima da loja em chamas.
À medida que a presença das bicicletas elétricas aumentou, cresceu também a frequência de incêndios e mortes atribuídos às baterias que as movem, levando a uma campanha para regular a forma como as baterias são fabricadas, vendidas, recondicionadas, carregadas e armazenadas.
Defensores dos direitos dos consumidores e bombeiros, especialmente na cidade de Nova York, estão pleiteando que a Comissão de Segurança de Produtos aos Consumidores dos EUA estabeleça padrões de segurança obrigatórios e confisque as importações fora de conformidade quando chegarem à fronteira ou aos portos, para que bicicletas elétricas pouco seguras e mal fabricadas não cheguem às ruas e coloquem casas em risco.
Durante um fórum sobre bicicletas eletrônicas e baterias de ion-lítio, realizado na quinta-feira em Bethesda, Maryland, EUA, o presidente da comissão, Alexander D. Hoehn-Saric, disse se tratar de um “momento urgente” que exige atenção.
“Padrões voluntários não são suficientes”, disse, em apoio aos bombeiros e demais defensores da segurança, que manifestaram amplo apoio aos padrões obrigatórios para baterias e sistemas elétricos em dispositivos de micromobilidade, que incluem patinetes, bicicletas e hoverboards movidos a bateria.
Esses não são incêndios típicos, diz Laura Kavanagh, Comissária dos Bombeiros da cidade de Nova York. As baterias não queimam: elas explodem.
“O número de incidentes de incêndio aumentou rapidamente. Outras cidades do país estão começando a perceber problemas também, e outros municípios que ainda não estão experimentando o fenômeno podem vir a enfrentar incidentes semelhantes no futuro”, disse Kavanagh à comissão. “Chegamos a um ponto de crise em Nova York, em que as baterias de íons se tornaram uma das principais causas de incêndios fatais na cidade.”
Com cerca de 6.500 bicicletas elétricas circulando pelas ruas, mais do que qualquer outro lugar nos EUA, Nova York é o epicentro dos incêndios ligados às baterias. Houve 100 deles este ano até agora, resultando em 13 mortes, o que já é mais que o dobro das seis mortes ocorridas no ano passado.
Em âmbito nacional, foram relatados à comissão mais de 200 incêndios relacionados a baterias, numa subnotificação óbvia, ocorridos nos 39 estados americanos ao longo dos últimos dois anos, incluindo 19 mortes atribuídas aos dispositivos de micromobilidade.
Hoehn-Saric pediu ao Congresso que fortaleça a autoridade da comissão, para que ela possa “avançar rapidamente na criação de padrões obrigatórios” que poderiam reduzir os incêndios destrutivos e fatais causados por defeitos nas baterias de íon-lítio. A tarefa está sendo encabeçada por integrantes do Partido Democrata na bancada parlamentar de Nova York, incluindo os senadores Chuck Schumer e Kirsten Gillibrand, além do deputado Ritchie Torres.
Diante da ausência de padrões obrigatórios, segundo Schumer, baterias de baixa qualidade inundaram o mercado americano, aumentando o risco de incêndios.
Em muitos casos, as autoridades foram desafiadas a rastrear a origem das baterias fabricadas no exterior, muitas delas compradas online ou em revendedores paralelos.
No começo do ano, a prefeitura de Nova York aprovou com urgência um abrangente pacote de leis com o objetivo de combater as baterias defeituosas, incluindo a proibição de venda ou aluguel de bicicletas elétricas que não tenham certificação de conformidade com os padrões de segurança por um laboratório de testes independente.
As novas regras também proíbem a adulteração de baterias ou a venda de baterias recondicionadas feitas com células de íon-lítio retiradas de unidades usadas.
Enquanto isso, autoridades municipais de Nova York anunciaram o recebimento de um subsídio federal de US$25 milhões (R$ 120 milhões) para estações de recarga de bicicletas elétricas em toda a cidade, o que os bombeiros esperam que reduza o risco de incêndios.
“Quando elas falham, é de forma espetacular”, disse Kavanagh em uma entrevista na semana passada. “Quando uma delas pega fogo, há um grande volume de chamas, muitas vezes tão grande que a pessoa não consegue sair de casa e os bombeiros não conseguem entrar para resgatá-la.”
Foi esse o caso em abril, quando dois irmãos, um menino de 7 anos e sua irmã de 19, morreram em um incêndio iniciado por uma bateria de patinete no bairro nova-iorquino de Queens.
Devido ao risco de incêndio, alguns prédios residenciais proibiram bicicletas elétricas. No verão do ano passado, a Autoridade de Habitação de Nova York tentou proibir os inquilinos em todos os seus 335 empreendimentos de manter ou recarregar veículos elétricos nas unidades, mas precisou recuar dali a poucos meses após protestos dos entregadores.
O uso de bicicletas motorizadas cresceu dramaticamente na cidade durante a pandemia da covid-19, quando as pessoas confinadas em casa recorreram mais aos entregadores para obter refeições e mantimentos.
Com a onda de incêndios, entregadores como Lizandro Lopez dizem estar agora mais atentos às precauções.
“Assim que a bateria fica carregada, eu desconecto. Não se deve deixar carregando por muito tempo”, disse Lopez em espanhol, “porque se deixamos muito tempo, podemos causar um incêndio”.
O grupo Los Deliveristas Unidos, que representa entregadores de aplicativo na região de Nova York, estima que menos de 10% das bicicletas elétricas vendidas na cidade tenham sido avaliadas como seguras por um avaliador independente, como a UL Solutions, uma empresa de teste de produtos que certifica a conformidade de segurança para uma série de produtos elétricos, como luzes de Natal e televisões.
As baterias de bicicletas elétricas usam para gerar energia a mesma reação química das baterias de íon-lítio de celulares e laptops e da maioria dos veículos elétricos – produtos que inicialmente eram propensos ao superaquecimento.
Regulamentação mais rígida, padrões de segurança e testes de conformidade reduziram drasticamente o risco de incêndio nesses dispositivos, segundo Robert Slone, vice-presidente sênior e cientista-chefe da UL Solutions.
O mesmo pode acontecer com as baterias das bicicletas elétricas, se forem obrigadas a se conformar aos padrões de segurança estabelecidos. Um recurso ausente na maioria dessas baterias é a capacidade de se desligar automaticamente para evitar o superaquecimento e as “avalanches térmicas” que levam a explosões e incêndios.
“Só precisamos torná-las seguras, e há uma maneira de torná-las seguras por meio de testagem e certificação”, diz Slone, “dado o histórico que já vivenciamos em termos de incêndios e ferimentos e, infelizmente, também mortes – não apenas em Nova York, mas em todo o país e no mundo inteiro”.
No ano passado, aproximadamente 1,1 milhão de bicicletas elétricas foram importadas para os EUA, de acordo com a Associação de Veículos Elétricos Leves, um grupo do setor. Em 2021, mais de 880 mil bicicletas elétricas entraram no país, cerca do dobro do ano anterior e o triplo do número de 2019.
Muitas das baterias que agora estão pelas ruas são de qualidade inferior ou produtos de mercado paralelo, conhecidas pelo risco de incêndio, mas populares entre os entregadores por serem mais baratas.
A Aliança PeopleForBikes, um grupo comercial do setor, pediu na quinta-feira ao governo que feche as fronteiras para baterias de íon-lítio pouco seguras.
“Se a agência criar e cumprir essas regulações, as regulações por si sós não serão suficientes”, disse à comissão Matt Moore, consultor geral e de políticas do grupo.
Segundo ele, mesmo com novas regras e padrões, os vendedores e fabricantes estrangeiros ainda poderiam enviar produtos possivelmente perigosos para os Estados Unidos.
“Nossas pesquisas mostraram que existem mais de 400 vendedores online de bicicletas elétricas que não são integrantes do nosso grupo, empresas que não estão presentes nos Estados Unidos, a não ser para vender seus produtos aos consumidores”, diz, incluindo produtos genéricos e acessórios com falsas alegações de serem certificados.
Com informações de Estadão Conteúdo (AP).
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