Trabalho intermitente: risco de retrocesso por negação da realidade

A continuidade do trabalho intermitente, um dos poucos reais avanços que tivemos na legislação trabalhista nos últimos anos, está em risco, pois sua constitucionalidade está sendo julgada no STF. E pode desempregar aqueles que passaram a ter essa alternativa para estar formalmente empregados no momento em que atingimos um recorde histórico de desemprego.

No transformado mercado global, o emprego tradicional tem sofrido o impacto do avanço da tecnologia, da digitalização e da robotização, com repercussão na estrutura de empregos; da migração entre setores, como agricultura, serviços, comércio e indústria; e das demandas emergentes para contemplar especialmente as famílias com necessidade de dupla renda, com mais mulheres apoiando a formação da renda familiar.

No Brasil de hoje, Pão de Açúcar e Carrefour, isoladamente, ou seja, cada um, emprega mais do que todos os 105 mil empregados de todas as montadoras que operam no País.

Essa mudança precipitada pela tecnologia e digitalização também alterou o emprego no setor bancário no País. Em 1990, existiam 732 mil bancários no Brasil, segundo o Dieese, número que caiu em 2018 para 450 mil empregados diretos, excluídos os terceirizados.

Essa transformação estrutural do emprego ensejou o surgimento do trabalho intermitente, aquele em que o contrato formal entre empresa e empregado ocorre baseado no equilíbrio entre a necessidade das empresas, dada a flutuação da demanda e necessidades ao longo do tempo, e a disposição, interesse, conveniência e possibilidade dos empregados, de forma organizada, pré-acordada e com contratação formal com equivalência de salários, no mínimo, aos estabelecidos oficialmente.

Exatamente como ocorre com muitos professores com sua contratação baseada em carga horária das aulas ministradas.

Em algumas das mais desenvolvidas economias, como nos Estados Unidos, uma das formas mais usuais de contratação é por hora, permitindo que estudantes, população mais idosa, homens e mulheres com afazeres domésticos e aposentados tenham alternativa de emprego segundo suas possibilidades e conveniência.

O trabalho intermitente foi um dos avanços estruturais importantes trazidos pela Reforma Trabalhista e agora sua constitucionalidade está sendo julgada pelo STF e dessa decisão depende o emprego de perto de 200 mil pessoas que estão hoje empregadas dentro dessa modalidade.

Esse número tem avançado ano após ano desde que foi criada essa alternativa, e só não cresceu muito mais pela insegurança jurídica que o assunto despertou, inibindo muitas empresas de ampliarem seus quadros funcionais por meio dessa modalidade. E tirando a oportunidade de emprego parcial, ou intermitente, para estudantes, aposentados e muitos mais que, por necessidade ou conveniência, poderiam participar do mercado formal de trabalho.

O momento é o mais bizarro para essa discussão

É absolutamente inoportuna, para não dizer bizarra, essa discussão no momento em que o Brasil atinge 14,6% de desemprego, relativos ao trimestre Julho-Setembro, o maior nível desde 2012 pelos dados da Pnad Contínua, medida pelo IBGE, totalizando 14,1 milhões de pessoas sem ocupação.

Mais impactante ainda quando se considera que, como bem detalhado em completa análise feita por Eduardo Yamashita em seu artigo “O lado oculto dos dados de desemprego” na Mercado & Consumo, o dado da Pnad está baseado na relação entre o número de pessoas desocupadas e a população economicamente ativa, desprezando metodologicamente os que, por alguma razão, não estão procurando emprego.

Fosse feito o recálculo considerando os que deverão voltar a buscar emprego, nesse outro critério, segundo o mesmo artigo, regredindo aos dados da PEA em Setembro 2019, que considerava 106,3 milhões como população economicamente ativa, em vez dos atuais 96,6 milhões, o índice atual de desemprego subiria para dramáticos 22,4%.

Quis o acaso que o tema estivesse em julgamento exatamente agora, com esse quadro dramático de desemprego, mesclando componentes estruturais e pontuais.

Porém, em qualquer circunstância e cenário, a discussão para tornar inconstitucional a modalidade do trabalho intermitente é um indesejável pacto com o passado e um atraso na modernização das relações trabalhistas. Além de colocar em risco empregos formais no presente e no futuro.

A reafirmação da constitucionalidade da modalidade vai dar a necessária segurança jurídica para que mais empresas adotem a contratação por meio da alternativa do trabalho intermitente e contribuir para a redução do desemprego atual e aumento da formalidade trabalhista no Brasil.

Marcos Gouvêa de Souza é diretor-geral da Gouvêa Ecosystem.

 

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