Num extremo, desempenho e resultados acima do que seria a evolução natural do período sem pandemia. No outro, permanece a incerteza, a crescente fragilidade e as dúvidas sobre o futuro próximo. E não é só no Brasil. Mas por aqui a situação tornou-se mais dramática, aprofundando questões não resolvidas do passado.
O Brasil que emerge da pandemia, já mencionamos, é mais desigual, endividado, desestruturado, dividido e polarizado. Méritos das consequências naturais geradas pela pandemia conjugadas com lideranças políticas e públicas sem visão estratégica e contaminados pela pequenez do curto prazo.
É verdade que quando começou a pandemia previa-se que o PIB de 2020 teria desempenho negativo de 9% e ao final, tudo indica, será metade disso. É verdade que aumentou acima do previsto o microempreendedorismo individual como resposta contingencial à redução do emprego formal.
Mas é verdade também que o fosso social se aprofundou e alargou entre o Brasil e países e economias mais desenvolvidas por obra e graça de nossos próprios equívocos.
Isso no plano macro e global.
Quando avaliamos o comportamento dentro do Brasil vemos setores que, beneficiados pela realidade precipitada pela pandemia, vão muito bem, obrigado – melhores ainda do que no período pré-pandemia. Outros enfrentam um quadro dramático de incertezas e dificuldades. E, no meio de tudo isso, temos a população atuante nos diversos segmentos.
E sem esquecer as diferentes realidades dos setores públicos e privados, que, por si só, já vivem cenários absolutamente distintos. De um lado, emprego, benefícios e salários preservados; de outro, a dura realidade da adaptação ao mundo em transformação, portanto sujeita a corte de salários, demissões, afastamento e redução de benefícios.
O Brasil ficou mais desigual e polarizado.
Setores como financeiro, construção, alimentação no lar, quase tudo que gravita em torno do digital, saúde e cuidados pessoais, como exemplo, vivem um período desafiante sem dúvida por conta da pandemia, mas com o benefício da demanda crescente. Podem buscar soluções e oportunidades no meio das dificuldades. E é mérito de cada um de como ajustar o negócio para melhor aproveitar a situação.
Outros setores, como alimentação fora do lar, moda, calçados, turismo, educação, entretenimento, lazer e serviços pessoais, como exemplo, sofrem com os problemas gerados pela pandemia potencializados pela forte redução de demanda, que limita as alternativas de buscas de caminhos e soluções.
Esse quadro tenderá a desanuviar à medida que avance o processo de vacinação e seria possível considerar que poderá estar próximo de uma realidade anterior ao final de 2021. Mas as empresas, os negócios, os setores e segmentos mostrarão as feridas provocadas pela pandemia e, no processo de retomada, essa consequências beneficiarão uns e complicarão a vida de outros.
O Brasil bipolar que emerge do que temos vivido vai depender ainda mais de uma visão mais inspiradora e estimuladora da construção de uma nova realidade, e o caminho para isso será a indispensável proximidade virtuosa entre os setores privados e público, sem o que continuaremos aprofundando e alargando o fosso que nos separa de um futuro melhor.
Está mais do que provado que, no plano político, não é possível imaginar uma reinvenção endógena, ou seja, gerada no próprio setor. Sucessivas eleições têm mostrado que o que temos tido é mais do mesmo. Quando não piorado. E não é possível imaginar que temos de esperar dezenas de anos para mudanças pontuais que trarão resultados efetivos em mais dezenas de anos.
A Reforma da Previdência é um bom exemplo. Foram 13 anos para ser decidida e implantada e o resultado efetivo em benefícios reais para o Brasil vai demandar muitos anos mais para serem obtidos.
As reformas Administrativa e Tributária, já atrasadas dezenas de anos, de acordo com aquilo que tem sido divulgado, por cautela e viabilidade no processo de aprovação, deverão ter sua efetividade protelada por muito tempo, preservando direitos adquiridos e situações políticas estruturadas no passado.
Enquanto isso, aprofunda-se e alarga-se o fosso. Gerações e o tempo passam e o futuro idealizado fica mais distante.
Se a pandemia teve uma virtude, foi criar uma consciência coletiva e social maior, especialmente em boa parte do setor empresarial. É tempo de converter essa consciência em ação. Sairmos dos diagnósticos, discursos, lives e propostas e partirmos para agir de forma objetiva, prática, decisiva para transformar a realidade.
Como só o setor empresarial privado sabe e pode fazer.
Do Brasil bipolar regressivo de agora, é possível pensar uma outra realidade e a diferença está, quase que exclusivamente, na mobilização do setor empresarial privado para promover a transformação.
Não dá para esperar mais eleições para vermos se algo vai mudar na política, se um novo ente divino salvador vai surgir e vai encarnar a transformação que pode fazer o País avançar.
É hora de agir.
Nota: Com este artigo, chegamos ao número 900 da série chamada Momentum, Foram textos pesquisados, produzidos e divulgados nos últimos 18 anos, 50 semanas por ano, sempre às segundas-feiras na plataforma Mercado & Consumo.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem
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