Quebrando o ciclo das muitas expectativas positivas características do começo de um novo ano depois dos dramas vividos em 2020, vamos lembrar que continuar fazendo a mesma coisa esperando resultados diferentes é uma das definições de insanidade.
Se o ano marcado pela pandemia serviu para alguma coisa positiva, foi precipitar muita análise, diagnóstico, receituário, alternativas e propostas para corrigir estruturalmente o Brasil. Nunca tantos tiveram tanto tempo e informação para discutir tanto nossos problemas e eventuais soluções.
Ficamos “roucos” de tanto ler, discutir, ouvir e debater razões e causas de nossos problemas e eventuais soluções. E chegamos no início de um novo ano, por incrível que pareça, exatamente no mesmo ponto, na melhor das avaliações, ou piorados, numa visão bem mais realista, do que estávamos no início do ano passado.
E não vamos transferir responsabilidade para um presidente, representando o Executivo Federal, que se nega a ser o que dele se esperava e para o que foi eleito. A um Congresso, representando o Legislativo, que insiste em ser o que sempre foi. Um Judiciário, em especial representado pelo Supremo, que quer ser o que não deveria ser, um ente atuando politicamente.
Assim tem sido e o resultado está escancarado, discutido, avaliado, medido e comprovado, mostrando a involução de nosso desenvolvimento político, econômico e social, representado pelo aumento da desigualdade, do endividamento, dos desequilíbrios e da iniquidade que campeia pelo País.
Claro que sem esquecer as ilhas de excelência em diversos setores e atividades públicas e privadas. No agronegócio de forma geral e na Agricultura e Pecuária de forma particular, nas esferas pública e privada, na atual Infraestrutura do governo federal, nas pesquisas médicas e farmacêuticas, nos ecossistemas de negócios com base digital em formação, no setor financeiro privado e na correta e visionária condução do Banco Central. Só para citar alguns exemplos que respaldam essa constatação.
São muitos segmentos que mostram visão, competência e excelência na execução e que os transformam em benchmarks globais e que inspiram outros setores locais, reforçando a tese de que não é por falta de atributos que não evoluímos de forma mais ampla. É por insistirmos em um mesmo modelo que não tem permitido o desenvolvimento econômico e social de forma generalizada, restringindo seu alcance a alguns poucos bolsões dentro do todo.
É inegável que uma Nação não será totalmente harmônica e alinhada em todos os seus aspectos estruturais por conta das diferenças geográficas, climáticas e vocacionais. Sem falar nas diferenças estratégicas e gerenciais que separam setores mais maduros de outros emergentes.
Mas também é inegável que as diferenças estão se aprofundando por conta da insistência em conduzirmos tudo como temos conduzido, delegando de forma ampla os grandes temas nacionais e estratégicos a um Executivo, um Judiciário e um Legislativo que são produto de um passado que não se atualizou e transformou, com raras e honrosas exceções.
Enquanto persistir essa dicotomia, quase enigma, de um setor público refém do passado local e um setor privado desafiado e competindo na velocidade da transformação global, o problema irá se aprofundar e a desigualdade, a instabilidade e a frustração irão crescer.
Qual a alternativa para romper o enigma?
No setor privado tem-se, de forma cada vez mais clara, que a complexidade dominante e crescente deve ser enfrentada pela integração de forma ampla. De visões, competências, talentos e, acima de tudo, desprendimento, para perceber e atuar num cenário em que se integra ou o caminho e as chances de bons resultados são cada vez menores.
É evidente que existe um claro sentimento no setor privado de distanciamento em relação aos problemas do setor público, esquecendo que a conta, mais cedo ou mais tarde – e é cada vez é mais cedo – será repassada na forma de aumento de impostos, aumento de custos e ineficiência.
A visão de que cabe ao setor privado gerir de forma competente negócios que gerem emprego e lucro, e isso ativa a economia e desenvolve a sociedade, se torna cada vez mais improvável quando se tem de arcar com um Estado, para dizer o mínimo, caro, burocrático e ineficiente. Repito, com relevantes exceções. Mas são exceções.
É preciso articular, integrar e desenvolver um modelo em que o setor privado traga sua decisiva e fundamental contribuição para acelerar a transformação do Estado para permitir a aceleração do crescimento social e econômico e o Brasil possa reduzir, ou eliminar, o gap existente entre nosso potencial e nossa realidade. Pré, durante ou pós pandemia.
Se isto não acontecer, não vai mudar nada, e problemas conjunturais, como a própria pandemia, só vão agravar o que não precisava piorar.
A primeira e mais importante mudança é a que envolve atitude.
Marcos Gouvêa de Souza é diretor-geral da Gouvêa Ecosystem.
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