É um momento difícil e complexo para o Brasil.
As complicadas questões globais afetam a economia e a geopolítica, internalizando problemas que afetam a cadeia de abastecimento, os custos e impactam a inflação interna com sérias consequências nos preços, no consumo e no varejo.
A conjugação perniciosa de elevado desemprego e inflação, alto custo do crédito e inadimplência, escassez de recursos, redução real da massa de salários e baixa confiança, por questões externas e internas, cria uma perspectiva sombria e perigosa para o cenário à frente.
No plano interno, a polarização na política tem levado a decisões em quase todas as esferas que focam o curto prazo e comprometem em parte o futuro. Sem falar nos conflitos entre poderes que geram insegurança e sobressaltos com evidentes impactos na economia, pelas oscilações constantes, derrubam a confiança e inibem consumo e investimentos.
Para muitos, quando pior, melhor. Para outros, um clima de insegurança constante. E, para a maioria, um quadro de incerteza e desconfiança que afeta o comportamento do mercado em todos os segmentos, com especial ênfase nas classes mais baixas.
Aquelas que definem a eleição.
O quadro para todo o ano de 2022 já está contratado. Será mais do mesmo do que temos visto agora.
Mais uma vez, uma outra cisão no País fica clara. A dos setores público e privado.
Enquanto o setor público em boa parte deixa-se envolver e contaminar pelas questões políticas de curto prazo, o setor privado teima em buscar soluções para transformar o Brasil no longo prazo, potencializando os recursos e condições que nos trouxeram até aqui, mas que poderiam ter nos levado muito adiante.
Enquanto se discutem os grandes temas nacionais de curto, médio e longo prazo, as classes mais baixas, os segmento C,D e E do potencial de consumo, estão pressionadas pela corrosão de sua renda pela inflação elevada e muitos sobrevivendo de atividades informais para equilibrar a situação. E até isso é de alguma maneira alimentado pela conjugação do auxílio desemprego e da renda extra dos programas assistenciais, o que só induz ao caminho do aumento dessa informalidade no emprego e no empreendedorismo individual.
É um quadro desanimador, para dizer o mínimo, quando se observa o quanto poderia ser feito com os inegáveis pontos positivos que existem na realidade brasileira e o desperdício de tempo, recursos, talento, competência, visão e capacidade de mobilização e atuação do setor empresarial privado.
E que é obrigado a conviver com o desperdício contumaz de recursos, tempo e competência requeridos para atuar num país com suas complexidades habituais e mais aquelas que são impostas por normas, regulamentos, burocracia e descontrole de impostos em boa parte pelo setor público. Sempre reconhecendo a existência de ilhas de excelência na atividade pública do Brasil em várias esferas e nos três poderes.
Mas é mais do que claro que a componente política de curto prazo contamina e distorce a realidade e nos faz ficar reféns do acaso, como no momento presente.
Tudo isso justifica a necessária mobilização do setor privado para criar caminhos estruturais, institucionais e permanentes para ser um ator mais presente e protagonista na discussão dos grandes temas nacionais estratégicos.
Deveríamos ser inspirados por experiências internacionais, como do Keidanren no Japão, entidade privada maior que reúne entidades setoriais naquele país e participa ativa e estruturalmente na discussão dos temas nacionais, evitando que o curto-prazismo contamine a visão estratégica que deve sempre ser predominante na discussão desses temas mais relevantes.
A conjugação dos enormes desafios internos e externos nesse momento, comprometendo tantos negócios e iniciativas e gerando temor e descrença em toda a sociedade, deveria ser o elemento de ignição de uma outra atitude das lideranças empresariais em busca da convergência possível na criação e implantação de um projeto de representação supra setorial e regional que tenha real condição de mudar o cenário atual e próximo futuro.
Só assim estaríamos nos superando e criando algo maior e mais relevante para enfrentar os desafios que aí estão e permanecerão se perdermos a capacidade de mobilização.
Quem sabe faz a hora.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo
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