Ou o setor empresarial se integra para se tornar mais relevante e protagonista ou entrega seu futuro a quem imagina que é possível tudo fazer através do Estado.
O modelo de representação empresarial brasileiro é uma herança do getulismo ao criar a estrutura sindical dividindo segmentos, setores e geografias de forma a torná-los relevantes em sua atuação local, porém menos protagonistas nos grandes temas nacionais e estratégicos. E na sua atuação política junto ao Estado, pois, por muito tempo, criou-se o vínculo da contribuição sindical repassada a essas entidades que inibia sua independência.
É um pouco do que foi pregado por Machiavel no ‘divide para governar’.
E esse modelo foi reproduzido mesmo quando outras entidades se formaram, por iniciativa setorial sem vínculo com o movimento sindical, mas usando a mesma lógica de segmentar para focar, mas que contribuía para reduzir o poder de atuar de forma mais decisiva nos grandes temas nacionais. Talvez as únicas exceções sejam a Febraban, representando o setor financeiro, e o IDV – no setor de varejo.
Quem produz alimentos e bebidas se reúne na ABIA, que junta o setor produtivo e a indústria. Quem vende esses produtos se reúne na ABRAS, nas entidades regionais de supermercados, na ANR e na ABRASEL, de restaurantes e bares. Ou mesmo nas entidades que envolvem lojas de conveniência, padarias e assemelhados.
Essa mesma realidade de segmentação da representação também ocorre nos setores de material de construção, no de vestuário e confecções, no de calçados, no de móveis, no de eletroeletrônicos e daí por diante.
Isso sem esquecer que cada vez mais produtos são integrados com serviços para criar soluções, como é desejo dos omniconsumidores, e que os prestadores de serviços cada vez menos se integram a essas entidades criadas e mantidas com essa lógica superada do passado.
Talvez uma das poucas exceções nesse modelo seja o do IFB – Instituto Food Service Brasil, criado há 12 anos, que reúne toda a cadeia de valor do setor de alimentação fora do lar, pois integra fornecedores de produtos, serviços, tecnologia e equipamentos, juntos com distribuidores e mais os operadores, as redes de lojas e restaurantes que atuam nesse setor, permitindo uma visão compartilhada e pautada pelo que é melhor para o setor como um todo, e não para segmentos dentro do setor.
Esse é o problema estrutural da representação empresarial e sua atuação em relação aos grandes temas nacionais. Porém no momento atual temos a emergência de um repensar e agir de forma integrada, com a autoridade de quem gera emprego, paga impostos e cria riqueza no país como faz o setor empresarial que não tem um legítimo representante sequer dentre os nomeados 37 novos ministros.
É inegável que o critério, reconhecido publicamente, foi de premiar e reconhecer quem contribuiu para a eleição. Mas como fica a competência, preparo, conhecimento, capacidade de interlocução para transformar positivamente o país?
O reconfigurado MDIC (Ministério da Indústria e Comércio) passou a ter como seu titular um hábil, experiente e relevante político, vice-presidente, que dedicou a maior parte de seu discurso de posse a enfatizar a importância da reindustrialização do país, sem dúvida um tema dos mais relevantes e necessários.
Mas não suficiente, pois o mundo moderno caminha em direção ao aumento crescente da participação dos serviços, incluindo comércio e varejo no seu PIB.
Foi dedicada muito menos atenção, quase nada, ao setor de serviços, que representa nas economias mais desenvolvidas, em média, 68% do PIB desses países, ainda em crescimento por conta das mudanças estruturais irreversíveis das economias, da sociedade e do emprego.
Importante lembrar que no Brasil os setores de comércio e varejo são os maiores empregadores privados e com potencial para aumentar essa representatividade.
É no mínimo um viés por desalinhamento estratégico com inspiração e miopia ideológica.
Mas o tema é mais abrangente e sempre nos inspira o exemplo do Japão, onde o Keidanren – Japan Business Federation – entidade supra setorial que se formou logo após a segunda guerra, em 1946, se tornou protagonista e relevante na reconstrução daquele país. E é hoje um fórum empresarial reunindo setores e segmentos diversos e atuando nos grandes temas estratégicos do país junto ao governo, com a visão que só o meio empresarial pode oferecer.
Esse é o momento de serem deixadas de lado questões setoriais, geográficas, pessoais ou organizacionais e ser repensado um modelo de integração de todo o segmento empresarial para que possa trazer sua contribuição para a necessária, inevitável e inadiável transformação estrutural e estratégica do país, única e realista forma de reduzir as desigualdades e potencializar nossos recursos, competências e visões.
Se o setor empresarial não for maduro, aberto, racional e competente para se integrar e atuar de forma decisiva para transformar o país, então de fato merece se entregar e deixar que seu destino seja decidido por quem pensa com a lógica do Estado como um fim em si mesmo.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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