O “futuro” do alimento já é realidade

Antes distante, a tecnologia chegou para transformar todas as pontas do mercado alimentar

Em seus inúmeros aspectos e setores, o mundo evolui cada vez mais rápido, praticamente obrigando quem tiver interesse em se manter conectado e atualizado a evoluir também. A sociedade parece já ter entendido muito bem esse frenesi e, mais do que aceitado a necessidade de movimentação, comprado e assimilado a ideia a valer.

É claro que, pensando nos últimos anos, a pandemia acabou por acelerar muita coisa, principalmente no que diz respeito ao digital, mas ela está longe de ser a responsável por essa constante mudança em nosso dia a dia. Basta olhar um pouco para trás, consultando ou não alguns livros de história, e perceber o quão inquieto o ser humano realmente é. E se o mundo, a sociedade, o varejo, o consumo, as pessoas e tudo mais estão mudando, não poderia ser diferente com o mercado alimentar.

Apesar do avanço da tecnologia em suas mais diferentes vertentes estar encabeçando as tendências do setor alimentar, assim como em várias outras áreas da sociedade, o momento também é de foco total no cliente, esteja ele onde estiver. E de não deixar de lado o principal diferencial que temos: o “ser” humano.

O futuro chegou

Durante algum tempo olhamos para determinados avanços tecnológicos no mercado alimentar, na operação ou nos produtos, como algo que seria alcançado, mas que estava lá na frente. Pois bem, não está mais. Porque muito daquilo outrora tão distante, como a Inteligência Artificial, por exemplo, já é realidade. Inclusive em grande escala.

“A IA tem um potencial de ajudar muito a evolução do mundo em várias áreas. No mercado de alimentos não é diferente. Mas ela precisa ser sistematicamente treinada para que consiga acumular informações adequadas”, revela Cristina Souza, CEO da Gouvêa Foodservice. “Resumindo, temos inteligência e eficiência para negócios e para os humanos”, garante.

Máquinas recebendo as pessoas nos restaurantes, servindo, preparando coquetéis, cozinhando, levando e lavando a louça. Uma realidade pensada para o “restaurante do amanhã”, mas já utilizada no “restaurante do hoje”. “Vamos ter que tomar os devidos cuidados para que não haja abuso. O impacto, não só para bares e restaurantes, mas para toda a sociedade, vai ser um forte ganho de produtividade. Seja na área de gestão, seja na área de análise de comportamento dos clientes”, afirma Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).

O executivo entende que a tecnologia tende a tornar o mercado alimentar mais produtivo como um todo. “O setor precisa de um choque de produtividade. Nós produzimos hoje um quarto do que o americano produz por hora. No entanto, na última década, enquanto o americano subiu seus preços acima da inflação média dos EUA, aqui no Brasil nós subimos abaixo. Isso significa que tivemos ganhos de produtividade que nos permitiram isso. Esses ganhos de produtividade estão muito ligados ao avanço tecnológico e à automação. Precisamos ser mais produtivos. Usar mais a tecnologia para que encontremos um equilíbrio entre oferta de empregos e mão-de-obra”, garante Solmucci.

Omnicanalidade e a experiência do consumidor

O avanço tecnológico não pede apenas ao mercado uma adequação em seus processos e pilares ao desenvolvimento que chegou e que vai continuar chegando. Ele também transforma a relação entre as pontas, com o consumidor ansiando por um caminho diferente do antes apresentado e o mercado tendo que entender e propor esta nova trilha. Principalmente com a mudança no comportamento das pessoas no pós-pandemia.

“Temos que entender que o consumidor, durante a pandemia, conheceu novas possibilidades em termos de consumo. Poder utilizar o delivery no horário do almoço e durante a tarde, podendo comprar refeições e pagar por elas dentro de aplicativos mediante cadastro e obtendo vantagens ao fornecer dados pessoais. Os canais digitais cresceram mais de 100% entre 2019 e 2022, e totalizaram mais de R$ 30 bilhões gastos pelo consumidor entre julho de 2022 e julho de 2023. Um resultado 250% maior do que no mesmo período em 2019”, revela Eduardo Bueno, head de Pesquisa e Inteligência na Mosaiclab, lembrando das últimas pesquisas Crest, realizadas pela Mosaiclab em parceria com a Circana.

E, diferentemente do que muita gente previu, o aumento do digital não acabou com o físico. Longe disso. Bares, restaurantes, supermercados e estabelecimentos no geral têm o desafio de se adaptar e encontrar o equilíbrio da omnicanalidade na busca por atender aos anseios do consumidor, seja onde for. Estando onde ele estiver.

“Temos que disponibilizar o que o cliente deseja, na hora que ele deseja, onde ele deseja e quando ele deseja. O conceito de ominicalidade mostra como podemos atingir este objetivo. O mesmo cliente pode em um momento estar em casa e utilizar um canal via app de delivery parceiro ou via app próprio dos restaurantes. Em um outro momento consumir diretamente no canal ‘restaurante’, que pode ser direto no balcão ou por um totem de autoatendimento. Devemos estar onde os clientes estão. Isto é fundamental na busca por crescimento”, garante Luiz Marcelo Correia, head do comitê Footech/Digital da Associação Nacional de Restaurantes (ANR).

Para Felipe Queiroz, economista-chefe da Associação Paulista de Supermercados (Apas), o próprio movimento do mercado tem mostrado que a tendência é que digital e físico vivam em harmonia e sejam complementares. “O volume de lojas tem se expandido no pós-pandemia. Isso ratifica o entendimento de que a experiência de compra, o retorno às lojas físicas e a interação social continuam sendo centrais na vida do ser humano”, revela o executivo.

Com essa mistura de canais, o foco na experiência do consumidor passa a ser mandatório, uma vez que para o físico agora não basta apenas vender, assim como para o digital não basta apenas ser prático e rápido. O consumidor atual pede mais. Pede encantamento. Pede personalização. Mas pede também que antes de qualquer coisa façam o chamado “básico bem-feito”. E muito bem-feito.

“O básico se sofisticou. Saltou do ‘bem-feito’ para o ‘perfeito’. Os consumidores são cada vez mais existentes. Com o tempo para atendimento, com os canais de acesso ao foodservice, com a qualidade, com a percepção de valor e com responsabilidade social, ambiental e corporativa integrada a cada mordida do seu produto”, alerta a CEO da Gouvêa Foodservice, Cristina Souza.

Sem perder a essência

Apesar de cada vez mais e mais rápido a tecnologia avançar e alcançar a sociedade, uma coisa é certa: manter a humanização em todos os campos ainda é fundamental para o bom funcionamento das engrenagens.

“Temos um mantra no nosso setor: gente sempre vai querer ser cuidada por gente. Então quem não entender que a experiência, que o lado humano, é um fator que justifica o cliente pagar mais por uma bebida, por uma comida, do que pagaria em casa, comprando no supermercado, certamente terá problemas”, prevê o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, que considera o cuidado importante também do balcão para dentro. “A humanização não está só na relação cliente-estabelecimento. Ela também está cada vez mais forte no time. Um time azeitado, harmonizado, que valoriza o humano, certamente entregará resultados melhores do que os que assim não se comportarem”, garante.

Mesmo com as facilidades proporcionadas pela tecnologia em nosso dia a dia, muitas vezes até nos isolando de certo modo, no fim do dia o ser humano se importa demais com as relações construídas. “Somos seres afetivos. Precisamos de toque, conexão, atenção e carinho. São esses elementos que ativam nosso cérebro e nos geram sentimentos positivos como prazer e felicidade. Você pode abrir mão de parte disso em um ou outro momento do seu dia, mas no final precisamos disso para manter nossa saúde mental”, revela Cristina Souza.

Para o head do comitê Footech/Digital da ANR, mais uma vez o equilíbrio se mostra essencial no momento que vivemos. “A tecnologia vem para agregar na jornada de compra dos clientes. Existe, sim, a preocupação, mesmo quando falamos de executarmos atendimentos por plataformas, em termos o lado humanizado e amigável com fácil entendimento e navegação. Os clientes estão cada vez mais usando tecnologias em seu dia a dia, sendo que muitos desejam executar compras utilizando estas tecnologias. Os restaurantes precisam se adaptar, mas sempre com o foco no cliente”, afirma Luiz Marcelo Correia.

No final das contas, o mercado alimentar, assim como todas as outras áreas da sociedade, vem passando por uma adaptação em um forte e rápido momento de desenvolvimento tecnológico, seja na operação, seja no relacionamento com o seu consumidor. E o mais importante de tudo é entender que aquilo que era antes considerado futuro já está aqui, bem à nossa porta.

“A maior mudança é que os hábitos do consumidor foram dinamizados. Ele não é mais uma única persona durante sua jornada diária. Ele muda seu comportamento de consumo de alimentos conforme o contexto. Acredito que a próxima evolução está na combinação perfeita entre qualidade do alimento, tecnologia e relacionamento. O consumidor vai exigir que esse tripé seja sempre equilibrado e que tenha cada vez mais impacto social”, afirma a CEO da Gouvêa Foodservice.

Em alta no mercado alimentar

Lojas autônomas

Com o avanço cada vez maior da tecnologia, a operação de um estabelecimento pode ser impactada e modificada de acordo com as necessidades e ideias da marca. Não à toa temos visto um “boom” de mercadinhos autônomos, principalmente em condomínios de prédios ou de casas.

“O setor supermercadista avança e expressa a nossa estrutura social. Ele é uma expressão de como a sociedade no geral se organiza. Quando olhamos para as lojas autônomas, observamos que é uma tendência que veio para ficar. Mas não são uma ameaça às lojas tradicionais. As redes médias e grandes já têm adotado lojas autônomas, é um processo gradual. Vai crescendo aos poucos e avançando conforme as alterações sociais. Sem dúvida teremos ao longo dos próximos anos um crescimento deste tipo de loja”, revela Felipe Queiroz, economista-chefe da Apas.

Conveniência

Quem também voltou a ganhar espaço foi o mercado de proximidade, conhecido como mercado de bairro. Ele reforça o atual momento em que o consumidor valoriza demais a conveniência. “Esse conceito oferece não apenas produtos para abastecer a casa dos consumidores em um momento de ‘emergência’, mas também provê pequenas refeições prontas e de rápido acesso, fortalecendo momentos de snacking, mas também surgindo como alternativa ao café da manhã. Pode atender a momentos de indulgência também, como o happy hour, ao oferecer um ticket médio inferior ao de bares, por exemplo. Ou seja, é um canal que atende a diferentes necessidades e ocasiões de consumo no dia a dia do consumidor, seja no aspecto de abastecimento doméstico, seja no aspecto do foodservice”, revela Eduardo Bueno, da Mosaiclab.

Para além da conveniência, os mercados de bairro também acabam respondendo a certas demandas do novo consumidor. As famílias estão cada vez menores, então compras mais de uma vez por semana fazem mais sentido. Estão morando em lugares menores também, então falta espaço para armazenar grandes quantidades. Isso sem falar na pressão da renda, que acaba obrigando parte da população a comprar apenas o essencial.

Comida do “futuro”

Se a tecnologia pode transformar a operação dos estabelecimentos, ela também pode fazer o mesmo com os produtos, industrializados ou fresquinhos, preparados para o consumo imediato. O chamado plant based chegou para atender a um consumidor específico, mas acabou ampliando o leque. “O plant based não se resume aos produtos que mimetizam a carne. Ele também inclui ovos e lácteos. E esses dois últimos participam de forma ampla da composição de inúmeros alimentos frequentemente consumidos mundo afora. Confeitarias e padarias com produtos veganos começam a surgir”, revela Cristina Souza, CEO da Gouvêa Foodservice.

A “carne de laboratório” também está virando realidade. Após separar e expandir a célula da proteína da carne, empresas estão imprimindo alimentos com a ajuda de impressoras 3D. O tema virou até competição da Campus Party, evento de experiência tecnológica que ocorre em algumas cidades do País.

“A ideia que tivemos foi fazer algo disruptivo. Resolvemos lançar uma competição gastronômica de alimentos bio-impressos a partir de impressoras 3D: o ‘Printer Chef’. A disputa foi um sucesso. Vamos continuar quebrando a cabeça para entender como continuaremos trazendo revoluções gastronômicas que ajudarão cada vez mais as pessoas a terem uma alimentação saudável. E quem sabe em breve tenhamos veganos e vegetarianos comendo carne de maneira saudável, sem precisar fazer o abate animal e enriquecendo cada vez mais o corpo humano com nutrientes que façam bem”, afirma Tonico Novaes, CEO da Campus Party e da Gouvêa Experience.

Imagens: Shutterstock e Divulgação

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