Fosse um filme deveríamos alertar para a maturidade e maioridade necessárias para encarar a realidade. Sendo um artigo, neste momento do ano precisamos nos antecipar com desculpas por provocar reflexões e preocupações sobre o futuro próximo quando o clima enseja alguma abstração da realidade para viver intensamente o presente.
Quem quer que tenha a responsabilidade da liderança sabe que ninguém segue um líder pessimista, mas ignorar riscos e ameaças é o caminho mais rápido para potencializar problemas à frente.
Questões complexas envolvem o Brasil, neste momento, com iminente votação da reforma tributária, o aumento da inflação e das taxas de juros pela aceleração turbinada da economia, além de muitos outros temas.
No quadro global a visão dos próximos meses é turva e complexa por conta do crescimento dos conflitos políticos e militares, mudanças envolvendo a posse de Trump nos EUA, além do agravamento do cenário econômico que precipita uma quase inevitável polarização mundial.
O cenário global de conflitos está desenhado.
O agravamento no vetor Rússia-Ucrânia, que teve nova perspectiva a partir de 2022 com a invasão russa e agora com um envolvimento direto de outros países da Otan e alguma expectativa de que a posse de Trump possa mudar o cenário já desenhado.
Em Israel, a potencial reversão do conflito provocado pelo Hamas e por conta dos movimentos estratégicos que desmontaram a percepção do dano maior de ataques em larga escala e a perspectiva atual de algum nível de entendimento, ainda que permanecendo instável por muito tempo.
Nas Américas, o conflito Venezuela-Guiana com algum potencial respingo por aqui, e na África o crescimento dos conflitos na Etiópia, Sudão, Mali e Nigéria. Sem falar na recém queda do governo na Síria, temas destacados pelo Atlas Report.
Lembrando ainda os conflitos políticos internos em diversos países com fortes relações comerciais com o Brasil como França e Coreia do Sul, com respingos até nas exportações de proteína animal, em que o Brasil é líder global.
Nesse cenário mais amplo, a posse de Trump e a potencial transformação de sua retórica em realidade têm potencial de agravamento do quadro mais geral. Neste caso, porém, com consequências para o Brasil, que podem ser positivas ou negativas, dependendo da habilidade do pensar e agir de forma estratégica.
O que está contratado é o crescimento do protecionismo com aumento de tarifas de importação de todos os parceiros comerciais e em especial os de origem na China.
Apesar de a balança comercial Brasil-EUA ter hoje menor expressão do que teve no passado, em especial quando comparada com a da China, os Estados Unidos ainda têm peso muito importante para nossas exportações.
No plano político e econômico, por outro lado, o agravamento das relações Estado Unidos e China com medidas protetivas de enfrentamento ao arco de alianças desenhado pela China, pode sinalizar oportunidades interessantes para o Brasil. E os 37 acordos bilaterias assinados neste começo de novembro entre os dois países mostra que, com habilidade diplomática e visão estratégica, é possível nos beneficiarmos.
Mas é inegável que o mundo vive um quadro de agravamento de conflitos e com evidentes consequências nos planos econômicos e comerciais para ficarmos mais restritos ao ambiente de negócios.
E no consumo e no varejo local?
A valorização recente do dólar combinada com o aquecimento da economia para além do que foi previsto e seu impacto na inflação obrigam a elevação das taxas de juros. Tudo isso terá forte repercussão no consumo, nas vendas do varejo, no endividamento das famílias e no nível de inadimplência futuro.
E com potencial agravamento pelo avanço da reforma tributária, que vai aumentar a taxação dos setores de serviços formais, pressionando custos de forma geral e incluindo comércio e varejo. Será inevitável o repasse ao consumidor e a pressão ainda maior sobre a inflação. E determinando a elevação das taxas de juros com já antecipam as pesquisas Focus. Sem falar no crescimento do nível de informalidade da economia e em especial no varejo.
Em vez de um ciclo virtuoso, definitivamente um ciclo pernicioso.
Alguém já comentou que Deus momentaneamente abdicou de sua cidadania brasileira, impotente para tentar conter essa esquizofrenia. No curto e médio prazos, o aquecimento das vendas cria uma cortina de fumaça para os problemas que virão.
O foco obsessivo nas eleições presidenciais de 2026 com a estratégia de criar um ambiente de pleno emprego, subsídios e auxílios aquecendo o mercado, além de um Estado gastador, com menor rigor no equilíbrio fiscal, vai gerar inevitáveis problemas mais sérios no futuro.
Uma reprise mal ajambrada de um passado recente, não muito distante.
Vale refletir. E se possível agir. Pois melhor do que tentar depois remediar, é prevenir.
Nota. De 8 a 15 de janeiro de 2025 estaremos em nossa 36ª missão do NRF Big Show. O atual Ecossistema Gouvêa foi a primeira delegação estruturada a participar do evento, sendo também a primeira a organizar uma apresentação sobre o varejo brasileiro no evento com a participação de Frederico Trajano, do Magazine Luiza, e Artur Grynbaum, do Boticário.
Nesse período mais de 3800 executivos, dirigentes e profissionais dos setores de varejo, consumo e serviços participaram em nossas delegações para o NRF Big Show e muitos outros em nossas Trade Missions para Europa, EUA, Israel, China, Coreia, Singapura e Índia. Para conhecer mais da programação 2025 do NRF Big Show acesse aqui.
Os aprendizados sobre tudo que será visto e discutido nesta missão, traduzidos, aprofundados e comparados com a realidade brasileira, poderão ser vistos e acompanhados no Retail Trends – Pós NRF, no dia 28 de janeiro de 2025, em São Paulo, nas versões presencial e virtual e pela cobertura especial que será feita pela plataforma Mercado&Consumo. Conheça mais por aqui.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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