O mercado de trabalho global está passando por uma transformação acelerada, impulsionada por avanços tecnológicos, mudanças econômicas e novas demandas ambientais. O Future of Jobs Report 2025 (lançado há pouco mais de um mês, em 7 de janeiro de 2025), do Fórum Econômico Mundial, destaca o que já não é novidade: a próxima década será marcada pela ascensão da Inteligência Artificial, automação e digitalização, bem como pela necessidade de adaptação às mudanças climáticas e pela crescente fragmentação geopolítica.
As projeções indicam que, até 2030, serão criados aproximadamente 170 milhões de empregos globalmente, enquanto cerca de 92 milhões de postos de trabalho serão eliminados. Esse saldo positivo de 78 milhões de empregos reflete uma reorganização do mercado, na qual funções ligadas à tecnologia, sustentabilidade e serviços essenciais ganharão protagonismo, enquanto cargos administrativos e repetitivos estarão em declínio. Contudo, o impacto dessas mudanças varia conforme o nível de qualificação da força de trabalho e as políticas de adaptação ao novo paradigma tecnológico adotadas por cada país.
No Brasil, o setor varejista, um dos principais empregadores do País, enfrenta desafios e oportunidades dentro desse cenário. Desde a reforma trabalhista de 2017, que flexibilizou contratações e regulamentou novas formas de trabalho, o varejo tem lidado com o crescimento do e-commerce, mudanças nos hábitos de consumo e a necessidade de digitalização para manter a competitividade.
Nesse contexto, o que podemos esperar para os próximos anos? Quais segmentos do varejo se destacarão? E quais são os desafios que o setor precisa enfrentar para aproveitar as oportunidades oriundas das transformações no mundo do trabalho? Neste artigo, exploramos as principais tendências apontadas pelo relatório e suas implicações para o varejo brasileiro.
Baixa qualificação e produtividade no varejo brasileiro
Um dos principais desafios do varejo no Brasil é a baixa qualificação da força de trabalho. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), menos de 12% dos trabalhadores brasileiros possuem ensino superior completo, enquanto a média da OCDE supera os 40%. Essa realidade impacta diretamente o setor varejista, no qual a capacitação em tecnologia e atendimento ao cliente se torna cada vez mais essencial.
A produtividade dos trabalhadores do varejo também enfrenta dificuldades. Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram que, entre 2000 e 2020, a produtividade do trabalho no Brasil cresceu apenas 0,6% ao ano, enquanto em países como Coreia do Sul e China, esse crescimento foi superior a 4%, o que também sinaliza a velocidade inferior de adaptação tecnológica do nosso País. Além disso, segundo o Banco Mundial, a produtividade do trabalho no Brasil caiu 1,3% entre 2014 e 2020, indicando um retrocesso nesse indicador fundamental para a competitividade do setor.
Dados mais recentes reforçam essa tendência negativa. De acordo com um levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV), a produtividade por hora trabalhada no Brasil registrou uma queda de 4,5% em 2022. Além disso, dados do IBGE indicam que, até o segundo trimestre de 2024, a força de trabalho brasileira atingiu 109,4 milhões de pessoas, com a população ocupada chegando a 101,8 milhões. No varejo, a qualidade da ocupação é uma preocupação, especialmente devido à alta taxa de informalidade e à necessidade de maior qualificação para lidar com novas tecnologias e tendências do setor.
Esse cenário reforça a necessidade urgente de investimentos em educação técnica, qualificação profissional e políticas públicas voltadas para modernizar e aumentar a produtividade do trabalho no varejo. Sem essas medidas, o Brasil corre o risco de perder ainda mais competitividade frente às mudanças aceleradas no comportamento do consumidor e nas inovações do setor.
Perspectivas para os próximos anos no varejo
Nos próximos anos, o varejo brasileiro passará por uma profunda reconfiguração. O crescimento do comércio eletrônico continuará acelerado, impulsionado por avanços na Inteligência Artificial, big data e personalização da experiência do consumidor. Empresas que investirem em tecnologia para oferecer atendimento omnichannel e integrar lojas físicas ao digital terão uma vantagem competitiva significativa.
A automação do atendimento ao cliente se tornará cada vez mais comum, com chatbots e assistentes virtuais assumindo funções básicas de suporte. Embora essa tecnologia reduza custos e aumente a eficiência, a experiência do consumidor exigirá um atendimento humanizado e altamente qualificado para resolver problemas complexos e oferecer um serviço personalizado. Nesse contexto, a qualificação dos trabalhadores será um diferencial competitivo, pois consumidores cada vez mais exigentes buscarão não apenas conveniência, mas também atendimento de alto nível e suporte especializado.
No entanto, a realidade do mercado de trabalho brasileiro pode dificultar essa transição. A reforma trabalhista de 2017 flexibilizou contratações, mas também contribuiu para o aumento da informalidade e da rotatividade no setor varejista, dificultando investimentos em qualificação e treinamento. Trabalhadores com vínculos precários tendem a ter menos acesso a oportunidades de capacitação, perpetuando um ciclo de baixa produtividade e dificultando a modernização do setor.
Segmentos como supermercados, farmácias e lojas de conveniência devem manter um crescimento sólido, impulsionados pela demanda constante por produtos essenciais, ainda mais em um cenário inflacionário, em que o consumo de produtos supérfluos diminui. Já o setor de moda e eletrodomésticos precisará inovar na experiência de compra e no modelo de negócios para enfrentar a concorrência digital e a exigência por práticas sustentáveis.
O varejo de proximidade e os marketplaces regionais têm se destacado como uma alternativa viável para consumidores que buscam praticidade e atendimento personalizado. O avanço dos meios de pagamento digitais e a popularização do buy now, pay later (compre agora, pague depois) também influenciarão as decisões de compra dos consumidores.
Desafios a serem enfrentados pelo varejo
Para aproveitar as oportunidades trazidas pelas novas tecnologias e mudanças no comportamento do consumidor, e para reverter a tendência de baixa produtividade do trabalho e competitividade, o varejo brasileiro precisa superar desafios estruturais. O primeiro é a capacitação da força de trabalho. Com o avanço da automação, as funções repetitivas tendem a desaparecer, exigindo que os trabalhadores desenvolvam habilidades mais estratégicas, como análise de dados, atendimento consultivo e gestão digital.
Outro grande desafio é a logística. O aumento da demanda pelo comércio eletrônico exige investimentos em infraestrutura, eficiência no last mile (última milha) e redução dos custos de entrega para melhorar a experiência do consumidor. Pequenos e médios varejistas também precisam adaptar seus modelos de negócios para competir com grandes marketplaces e gigantes do setor.
A informalidade no setor também precisa ser combatida. Modelos de trabalho flexíveis e regulamentações que incentivem a formalização podem garantir melhores condições para trabalhadores e maior previsibilidade para empresas. Além disso, incentivos para inovação e digitalização são essenciais para a modernização do setor.
Conclusão e 5 takeaways para o varejo se preparar para o futuro do trabalho
O futuro do varejo no Brasil será determinado pela capacidade de adaptação do setor às novas tendências globais. O avanço tecnológico, a digitalização e as mudanças no comportamento do consumidor criam desafios, mas também oportunidades valiosas para empresas que souberem inovar e investir na capacitação de sua força de trabalho.
Aqui estão 5 dicas essenciais para o varejista que deseja se manter competitivo neste cenário de mudanças:
- Invista em capacitação contínua – ofereça treinamentos para sua equipe em tecnologia, atendimento ao cliente e gestão digital.
- Adapte-se à digitalização – implemente soluções tecnológicas para melhorar a experiência do consumidor, como pagamento digital e integração omnichannel.
- Aposte em logística eficiente – invista em soluções de entrega rápida e eficiente para competir no e-commerce.
- Valorize a experiência do cliente – personalize o atendimento e crie diferenciais que fortaleçam a fidelização do consumidor.
- Formalize e incentive a inovação – busque formas de regulamentar e qualificar sua equipe, promovendo um ambiente de trabalho mais seguro, produtivo e inovador.
Se o Brasil conseguir enfrentar esses desafios de forma eficiente, poderá não apenas reduzir os impactos negativos das transformações no mercado de trabalho, mas também se posicionar como referência em inovação varejista na América Latina.
Carolina Cândido é consultora na Gouvêa Consulting.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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