O segundo trimestre de 2023 mostrou que um dos desafios do foodservice brasileiro neste ano é a economia. Indústria, varejo e serviços ficaram estagnados no período. O desemprego caiu, mas refletindo a redução do número de pessoas que procuram emprego, sem impacto positivo no rendimento real médio da população. O IBC-Br, indicador proxy do Banco Central para a atividade econômica, ficou praticamente estável em abril e teve queda de 2% em maio.
Em meio a este cenário ainda complexo, o foodservice brasileiro ficou estagnado no 2º trimestre. Segundo dados do Crest, o gasto cresceu apenas 0,5% em relação ao mesmo período de 2022, refletindo queda de 5% no tráfego.
É um cenário de estagnação do setor, após trimestres de normalização da performance, mas existem boas notícias para o foodservice brasileiro, com importantes pontos de atenção, oportunidades e desafios.
Ainda que a queda do desemprego não traga ainda ganhos efetivos no rendimento e no fortalecimento do mercado de trabalho, seus impactos são sentidos no tráfego do setor, que aos poucos se recupera – são duas variáveis com forte correlação, e a recuperação, ainda que lenta, do mercado de trabalho fortalece aos poucos o fluxo de visitas em restaurantes, em seus diferentes canais e ocasiões.
O que se nota é o tráfego do foodservice brasileiro ganhando tração, recuperando-se de forma oscilante. Embora o tráfego esteja 800 milhões de transações abaixo do nível histórico mais alto, de 3,9 bilhões de transações no 3° trimestre de 2019, com 3,1 bilhões no segundo trimestre de 2023, o setor já recuperou 1,6 bilhões de transações, em relação ao segundo trimestre de 2020, quando iniciou a pandemia.
O cenário que se coloca para os operadores e a indústria é: como atrair mais consumidores e gerar fluxo de visitas de forma consistente? Antes, vamos analisar alguns desafios do setor.
No Brasil, a penetração do setor está estagnada em 23%. Ou seja, de cada 100 potenciais consumidores, apenas 23, de fato, consumiram uma refeição preparada fora de casa no dia anterior.
Esse número representa o tamanho da oportunidade de desenvolvimento do foodservice no Brasil, e reflete também os muitos desafios do nosso mercado: grande desigualdade e o peso da renda discricionária no consumo da população.
Segundo dados da Pnad contínua do IBGE, 28% da população brasileira pode ser considerada classes D e E. Traduzindo em números e considerando a população do último censo, são quase 57 milhões de pessoas que possuem baixa renda, parte abaixo da linha da pobreza e, por consequência, com penetração irrisória no foodservice. Essa população representa sensíveis 3% do tráfego total do setor, cujo consumo está totalmente sujeito aos mínimos aumentos de preço – entre aqueles que eventualmente podem consumir.
Por outro lado, a Classe C representa 43% do tráfego do setor no Brasil e 47% da população, mas tem penetração de 17%, impactando a média nacional e equilibrando a participação mais robusta das classes A e B, que são a parte da população com maior disponibilidade de renda para consumo, mas que representa, segundo o IBGE, apenas 25% da população.
Em outras palavras, o consumo mais forte do setor depende de uma parcela relativamente menor da população, enquanto grande parte é um público mais sensível a preço – quando tem dinheiro para consumir. Ou seja, o desenvolvimento do foodservice brasileiro passa, em parte, pela melhoria efetiva das condições de vida da população brasileira.
Porém, existem alguns alentos: o Dia das Mães, a segunda data mais importante do varejo nacional, apresentou crescimento de 3,7%, segundo dados da Serasa Experian.
Outro alívio vem do lado da inflação, que mostrou queda consistente no período, sobretudo na inflação da alimentação dentro do domicílio, movimento que foi acompanhado pela recente decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central, o Copom, pela redução de 0,5 ponto percentual na Selic, abrindo espaço para a queda das taxas de juros praticadas no mercado, o que terá potencial de aumentar o consumo a médio e longo prazos.
Tendo em vista um cenário ainda complexo, existem caminhos para se destacar no mercado e, parte deles, passa por inovação, digital e experiência.
No pós-pandemia tem crescido a busca por novos produtos mais indulgentes, colocando pressão sobre a indústria para o desenvolvimento de novos sabores, conceitos e o menu dos operadores. Até junho de 2023, nos últimos 12 meses, R$ 60 bilhões haviam sido gastos no Brasil com inovação no foodservice, um crescimento de 4% sobre o mesmo período em 2022. O volume representa quase 30% do gasto total dos consumidores – com potencial para crescer ainda mais.
Da participação da Mosaiclab na delegação Connection durante o NRA Show 2023, tivemos outros aprendizados importantes relacionados a inovação.
Em um competente painel da Technomic, muito se falou da importância das ofertas de tempo limitado (LTO) como teste de novos sabores e produtos, sem implicar custos de alteração de cardápio fixo, mantendo marcas como top of mind (com constante inovação, as marcas sempre estarão em comunicação com seus consumidores), além da geração consistente de tráfego.
A digitalização também é um caminho para o fortalecimento do setor. Para além de pagamentos e aplicativos, o digital deve ter como foco o engajamento e benefícios para seus consumidores. Estratégias de CRM se destacam ao coletar dados pessoais, oferecendo em troca ofertas e descontos exclusivos baseado no perfil de compra de cada indivíduo.
Segundo dados da Mintel dos EUA, o digital se tornou mais relevante para o consumidor americano, e analisando os dados do Crest Brasil, vemos que também é fundamental para o consumidor brasileiro.
No Brasil, transações digitais representaram 12% do tráfego do setor em 2022, mais do que o dobro em volume do que foi verificado em 2019. Até junho de 2023, nos últimos 12 meses foram gastos mais de R$ 30 bilhões nos canais digitais, representando 14% do total do setor no Brasil – e com espaço para crescer, mas com desafios claros.
No Brasil, segundo dados do Crest, quase 80% do tráfego do setor é formado por pequenas redes e operadores independentes, que têm pouco ou nenhum orçamento para investir em canais digitais ou manter uma operação de delivery, por exemplo.
Nesse sentido, existem oportunidades para a indústria criar e fortalecer parcerias junto a pequenos operadores, alicerçadas em estratégias digitais, mas também espaço para redes mais bem estruturadas ganharem participação no foodservice brasileiro.
Redes representaram 21% do gasto total do setor no Brasil no 2º trimestre deste ano – muito abaixo dos mais de 50% nos EUA, segundo dados globais do Crest. Portanto, ainda existe espaço no nosso mercado para as redes expandirem, melhorando o desenvolvimento do setor no País e levando marcas já conhecidas nos grandes centros para novas praças.
Inovação e digitalização são dois importantes caminhos para geração consistente de tráfego, ainda que não sejam acessíveis para todos os operadores, mas seu papel fundamental é garantir sempre uma melhor experiência para o consumidor.
Segundo dados do Crest, a satisfação aumenta quando o consumidor tem acesso a novos produtos, canais digitais e promoções – que melhoram o custo-benefício em relação ao preço pago por uma refeição. Em outras palavras, consumidor satisfeito é consumidor que volta a comprar. E principalmente: é fundamental fazer o básico bem feito.
O foodservice brasileiro passa por um momento importante: ainda que estagnado em relação ao 2º trimestre de 2022, aos poucos o setor recupera seu tráfego. Disparidades sociais fortalecidas ao longo da pandemia pesam contra o consumo no País, mas a queda consistente da inflação, aliada ao início do afrouxamento monetário por parte do Banco Central, cria um cenário com melhores perspectivas de consumo para o setor.
Eduardo Bueno é head de Pesquisa e Inteligência na Mosaiclab, responsável pela pesquisa Crest no Brasil.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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