Já aquecendo os motores para meu painel da trilha “Cultura 5.0” do Latam Retail Show, o mais completo e exponencial evento de varejo da América Latina, que nesse ano terá uma versão 100% online entre os dias 14 e 16 de setembro, provoco a reflexão sobre o futuro do trabalho e o trabalho do futuro.
Após 18 meses de pandemia, a dinâmica do mercado de trabalho mudou. Trabalho remoto, maior uso de canais digitais na jornada de compra, migração de famílias para fora das grandes metrópoles, fechamento de milhares de estabelecimentos (principalmente no setor de serviços) e aceleração da transformação digital nas empresas são alguns dos fatores transformadores do mercado de trabalho na sociedade 5.0. Estamos vivenciando apenas o início dessa transformação e precisamos, rapidamente, evoluir para nos mantermos produtivos e contributivos no novo cenário socioeconômico mundial.
A crise de desemprego, que já existia no Brasil antes da pandemia, foi acentuada nos últimos meses e potencializa o gigantismo de nosso desfio nesse novo contexto do mercado de trabalho. Já sofríamos com baixa qualificação profissional em nossa força de trabalho, mas poderíamos reduzir os índices de desemprego com o fortalecimento da economia promovendo abertura de novos e tradicionais postos de trabalho.
Agora, com a aceleração da transformação digital, a melhoria dos indicadores econômicos não será o único fator capaz de reduzir significativamente os patamares de emprego formal. Novos postos de trabalho exigirão competências ainda mais qualificadas dos candidatos às vagas que forem criadas. Os millenials, geração nativa digital, talvez estejam melhor preparados para o mercado de trabalho 5.0, mas existe uma enorme legião de trabalhadores “não digitalizados”, que já apresentavam níveis reduzidos de competências no mundo analógico que teremos de ter inteligência para reincorporar no mercado de trabalho.
Para enriquecer nossa reflexão, resgatarei informações de um painel de debate que fui mediador no Global Retail Show do ano passado. O painel, intitulado “Competências para uma nova era”, teve participação Alessandra Morrison que, à época, ocupava a posição de diretora de Recursos Humanos na Kimbely-Clark e nos presenteou com uma belíssima apresentação. Alessandra trouxe informações apresentadas pela Korn Ferry em 2019, com projeções de indicadores transformadores do mercado de trabalho no futuro próximo:
- 82% das empresas até 2027 devem trocar seu mindset voltado à era digital (Gallup Poll, 2018);
- 35% das habilidades consideradas importantes hoje não serão daqui a 5 anos (World Economic Forum, 2018);
- Até 2029, prevê-se que os robôs tenham atingido a mesma inteligência que os humanos (Ray Kurzweil, 2018);
- 65% das crianças vão ingressar na escola primária hoje e farão trabalhos de que nunca ouvimos falar (World Economic Forum, 2018);
- Até 2030, a crise global de talentos atingirá níveis altíssimos nas economias desenvolvidas e em desenvolvimento (Korn Ferry. The Talent Crunch, 2018).
Interessante observar que as projeções acima foram publicadas em 2018, antes da pandemia. Certamente temos um cenário de aceleração dessas projeções para que se tornem realidade e, talvez, em prazos mais curtos. Destaco aqui a projeção, determinada por Kurzwel, de que até 2029 os robôs terão atingido a mesma inteligência que os humanos. Se teremos robôs tão inteligentes quanto nós, seres humanos, será que teremos postos de trabalho disponíveis para não-robôs?
Kurzwel, estudioso e autor de livros sobre Inteligência Artificial, provavelmente não está considerando os estudos sobre inteligência de Howard Gardner, psicólogo e autor da teoria de que existem ao todo sete tipos de inteligência, e está se referindo às inteligências lógica e linguística, chamadas de “inteligências clássicas”. Gardner explica, com sua teoria, como pessoas com baixo QI (Quociente de Inteligência, tradicional método de medição da inteligência das pessoas) conseguiriam alcançar sucesso em suas carreiras.
O avanço da Inteligência Artificial, em robôs ou apenas em superprocessadores, impactará significativamente no mercado de trabalho. A capacidade de armazenamento e processamento de informações das máquinas supera a dos seres humanos e consequentemente as empresas precisarão dessa Inteligência Artificial para manterem sua competitividade.
O avanço da IA não acabará com os postos de trabalho, mas criará tipos novos de trabalhos. Voltamos ao ponto: qualificação profissional. Será que nossa massa trabalhadora, desempregada ou não, tem competências para essas novas carreiras? Quem e como nos qualificará para não ficarmos obsoletos?
Talvez a solução esteja em outras inteligências “não-clássicas”, como a inteligência emocional, a inteligência espiritual, a inteligência interpessoal, a inteligência intrapessoal, a inteligência motora. Esse conjunto de inteligências é essencialmente humano. Somos “gente”! Feitos para viver em comunidade. Adoramos interagir com “gente”. Gostamos de viver entre seres vivos (humanos, plantas, animais, etc.). Por esse motivo, acredito que o avanço da tecnologia e a transformação digital acelerada não nos substituirá no mercado de trabalho, mas continuamos tendo um desafio enorme de qualificação de nossa mão de obra.
As projeções de futuro escancaram a necessidade de agirmos unidos (sociedade civil, empresários e esfera pública) e, aceleradamente, na transformação cultural de nossa sociedade. Desenvolver competências de nossa força de trabalho e termos pessoas pluralmente inteligentes é condição de sobrevivência na sociedade 5.0.
Ok! Aquecemos os motores sobre o tema do trabalho no futuro e o futuro do trabalho. Agora aprofundaremos esse assunto no painel “Inteligência 5.0”, durante o Latam Retail Show. Até lá!
Este artigo foi publicado originalmente na Mercado&Consumo em 26 de agosto de 2021.
Luiz Guilherme Baldacci é sócio-diretor da Friedman.
Imagem: Envato/Arte/Mercado&Consumo