Quanto mais madura uma economia ou sociedade, maior o percentual dos serviços no seu PIB. Ou seja, quanto mais uma região, mercado ou país evoluir, maior participação terão os serviços em sua economia.
A história dos países mais desenvolvidos mostra essa evolução e no Brasil não é diferente no plano estrutural. Mas essa constatação pode ser alterada por questões conjunturais, como as oscilações provocadas por crises e situações atípicas, como a própria pandemia precipitou.
Numa amostra entre países, considerando a evolução dos serviços no PIB nos últimos 20 anos, fica claro o aumento de participação.
Na realidade brasileira não é diferente, porém, com cores locais, derivadas do forte crescimento do setor agropecuário e da sua importância estratégica para o País, ao mesmo tempo em que o setor industrial sofre pela reconfiguração estrutural da sociedade e da economia, sem falar nas questões das opções próprias desse setor.
Essa realidade impacta de forma direta os negócios como um todo, em especial os dos setores de varejo e consumo.
Um exemplo dos mais relevantes é o do setor de alimentação, envolvendo o crescimento da participação do foodservice, que inclui tudo o que é consumido e preparado fora do lar, comparativamente com o que é comprado e manuseado dentro do lar. E representa a evolução da venda de serviços para a venda de soluções, que é a combinação de produtos com serviços.
Por conta da tecnologia, que tem papel importante na reconfiguração das atividades pessoais e profissionais, a verdade é que cada vez fazemos mais com mais recursos e temos menos tempo disponível. Isso é um fator importante nessa transformação estrutural nos hábitos de alimentação.
Numa combinação de aspectos ligados à demanda pela mudança de hábitos, maior participação da mulher em atividades profissionais fora do lar, o aumento das alternativas disponíveis e a maior e melhor oferta de serviços, o percentual do foodservice no total dos dispêndios com alimentação no Brasil cresceu de 24 %, em 2002, para 34 % em 2019, último ano pré-pandemia, para manter bases comparativas iguais. Em algumas capitais do Sudeste do País, inclusive, esse percentual já se aproxima dos 40%. Para efeito de comparação, esse número nos Estados Unidos, no pré-pandemia, estava em torno de 48%.
Ocorre que, no caso brasileiro, os tradicionais e mais importantes canais de vendas de alimentos, os super e hipermercados, não perceberam essa transformação estrutural e não desenvolveram alternativas estratégicas para ajustarem sua oferta e proposta de valor para essa mudança.
O resultado é que essa mudança estrutural da venda de produtos, que é um serviço, para a venda de soluções, que combina produtos e serviços, vem sendo atendida prioritariamente pelo setor de foodservice, através de restaurantes, fast-food, dark kitchens e muitas outras alternativas, com a oferta de soluções, combinando produtos com serviços.
Esse quadro é em boa parte diferente do que acontece nos Estados Unidos, França, Itália, Espanha e Reino Unido, onde o setor tradicional de supermercados desenvolveu alternativas para atender essa mudança de comportamento, como pode ser visto em operações da Whole Foods, Wegmans e Dominicks, nos EUA; Tesco, no Reino Unido; Mercadona, na Espanha; e Esselunga e Iper na Itália.
Da mesma forma como as farmácias e drogarias passaram a incorporar mais serviços na sua oferta, que vão de rápidas consultas a aplicações de vacinas e exames básicos oculares nos Estados Unidos, México e no Reino Unido, ainda temos algumas limitações aqui no Brasil, que a pandemia acelerou a mudança da oferta para atender a emergência gerada.
Mas esse crescimento dos serviços e soluções na economia de países e regiões também trouxe mudanças importantes na estratégia das indústrias fornecedoras de produtos de consumo, ampliando sua oferta e chegando no consumidor final com uma oferta diferenciada de soluções.
Os exemplos são inúmeros, mas podemos citar o movimento da JBS com o desenvolvimento de seu projeto vencedor Swift; da Unilever com as lavanderias Omo ou da P&G com sua rede de lavanderias e de lavagem de carros, nos Estados Unidos ou aqui no Brasil expandindo, inclusive, em ambos os casos, através de franquias.
O futuro do varejo passa por uma reconfiguração estrutural, onde a simples venda de produtos será, cada vez mais, complementada pela venda de serviços e soluções, tirando proveito da constância de relacionamento, conhecimento do consumidor, facilidades, proximidade, conveniência e ambiente amigável e digital.
Rigorosamente envolve o conceito de copo meio cheio e meio vazio. Tudo depende de como se vê e interpreta a realidade.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo