“Temos um quadro crítico e irreversível à frente para a Nação na questão previdenciária por conta das transformações que vivemos na sociedade, na fertilidade, no envelhecimento e no crescimento da população quando conjugados com as mudanças estruturais que envolvem o emprego, a informalidade e mais os programas assistenciais do governo, com 21 milhões de famílias e 56 milhões de pessoas atendidas.
É uma bomba relógio que vai explodir, a menos que, independentemente de quaisquer questões políticas, a Nação se mobilize e trabalhe para desarmar.
Mas, definitivamente, será desafiador e complexo demais por conta das questões políticas e da miopia da visão de curto e médio prazo tão bem representada pela discussão sobre desoneração da folha de pagamentos que ocorreu entre governo, sociedade, congresso e STF. E que afeta diretamente as empresas empregadoras formais, constrangendo ainda mais a capacidade de crescimento.”
Os dados do Censo 2022, recém-publicados, quando comparados com o anterior de 2010, são objetivos ao mostrar o processo de redução do crescimento populacional, com envelhecimento da população, redução da fertilidade com a queda do número de filhos e o aumento do nível de urbanização, entre muitos outros temas relevantes. Ainda que alguns aspectos tenham sido impactados diretamente pela pandemia do período 2020-21 e suas consequências, a sinalização das mudanças é bastante clara para desenhar os desafios à frente.
No período de 2010 a 2022 o crescimento médio anual da população foi de 0,52%, o menor desde que o Censo começou a ser apurado, constatado pela queda da fertilidade representada pelo menor número de nascimentos por mulher de apenas 1,65 filhos.
Essa queda tem sua origem em programas de controle, mudanças de comportamento, na maior participação da mulher no mercado de trabalho e pelas questões econômicas e sociais que impõem mudanças no planejamento familiar.
Outro elemento crítico consequência desse processo é o iminente fim do período do chamado Bônus Demográfico, aquele onde a parcela da população apta a trabalhar, produzir e contribuir para a Previdência, na faixa entre 15 e 64 anos, é maior do que os apenas dependentes.
Ainda que as mudanças estruturais do emprego e do comportamento possam estender um pouco esse período, na realidade brasileira ele tem data estimada para terminar em 2035. Outras nações no mundo tiveram nesse período seu maior crescimento e expansão econômica e social e, definitivamente, não foi, não é e, tudo indica, não será o caso brasileiro.
Por si só esses elementos censitários já seriam preocupantes o suficiente para determinar urgência num repensar estrutural para os problemas que se desenham à frente.
Mas a perspectiva se torna ainda mais assustadora quando adicionamos o quadro de mudança estrutural do emprego, renda e contribuições previdenciárias, em parte pela incorporação da tecnologia e do digital e envolvendo o crescimento da informalidade e do autoemprego.
Como referência o trabalho informal é maior na África (71,9%), seguido de Ásia e Pacífico (60%), Américas (40%) e Europa e Ásia Central (25%). Na América Latina, o índice fica em 53% e o último dado disponível no Brasil, pré-pandemia, era próximo de 40%.
E com clara tendência de crescimento que a reforma tributária poderá acelerar à medida que numa economia muito mais digital continuaremos usando instrumentos analógicos para controle, apuração e cobrança.
Para completar o quadro de preocupações deve ser ainda destacada a expansão marcante nos últimos ano dos programas de auxílio do governo que já envolve perto de 28% da população brasileira.
Essa mudança estrutural do emprego no país, em parte reflexo do que acontece no mundo, determina uma redução do número e valor das contribuições para sustentar a previdência desse país que envelhece e gera aumento da expectativa de tempo de vida da população.
Quando se discute temas que envolvem mudanças estruturais na contribuição para suportar a previdência futura, comprometida no presente por essa realidade, o tema político partidário se sobrepõe à visão dos desafios da Nação e políticas e ações de reversão são atropeladas e proteladas, só levando ao agravamento desse quadro.
Esse é um daqueles temas em que o setor empresarial precisa compor, se integrar e ajudar a pensar estrutural e estrategicamente a Nação, para não se deixar contaminar pela realidade política de curto prazo privilegiando apenas a próxima eleição.
Vale a reflexão.
Nota: No Latam Retail Show, de 17 a 19 de setembro no Expo Center Norte, em São Paulo, haverá especial ênfase, conteúdo e programação dedicados às discussões dos impactos dessas transformações na realidade brasileira com a presença de marcas, negócios e iniciativas que mostram caminhos já sendo percorridos na integração virtuosa de negócios para enfrentar os desafios à frente. O evento terá transmissão virtual de parte do conteúdo para os que não puderem participar presencialmente.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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